Cinquenta anos. Sim, com a vida em dia.
Rumo
ao sul contemplando o horizonte que arde ao sol da tarde, sorrindo por saber
que o olhar da minha mãe me beijará desde o primeiro instante, ali, um pouco
antes de nos celebramos no abraço berço que guarda dentro de si o amor perfeito
e que embala serenamente tantos outos beijos.
Eu
sou este amor e este olhar, muito mais do que tudo aquilo que o tempo possa querer
fazer de mim.
Eterno…
O
baloiço que pende do frondoso limoeiro de frutos generosos, o voo rasando o
sonho aos comandos do tronco encurvado da oliveira que persiste no átrio da
minha escola, as gargalhadas dos amigos nos serões de Vila Viçosa onde o fresco
de Agosto nunca aparece, a fé celebrada no canto às giestas e ao rosmaninho nas
tardes de Páscoa, os diários de Torga, cada recanto das palavras de Pessoa, de
Yeats, de Youcenar, o mar de Sophia, um fado cantado por Amália, um verso de
Carlos Tê numa canção de Rui Veloso, os doze pontos do júri da Eurovisão, uma
Bola de Berlim, uma fartura na feira, as cartas de amor soletradas quando o
Tejo já se despede do Terreiro para se abraçar à noite, as palavras que eu
insisto em desenhar sobre tudo aquilo que sinto…
Eu
sou isto, sou este amor e este eterno olhar… e nada daquilo que eu sou cessa ou
se atormenta por mais que o tempo passe e que a gente ou vento se atravesse.
Cinquenta
anos?
Sim,
de idade; que se medissem aquela vida que importa eu teria muitos mais de
cinquenta, tal esta “desfaçatez” de finalmente olhar o tempo e questioná-lo de
frente, olhos nos olhos.
-
Queres passar depressa ou mais devagar? Eu irei ao meu ritmo e sempre sem me inquietar.
-
Longo ou curto, como és? Como queiras ser na certeza de que não desperdicei um
só segundo e nunca me privei de nada: de uma viagem, de um beijo, de um abraço
desenhado ao pôr-do-sol ou até de alguns muito simples cafés.
-
Espicaça-me e “stressa-me” lá com essas coisas vãs da ambição… Vou sorrir-te
descontraído e indiferente. Eu irei despertar-me a sorrir todas as manhãs. Desde
que eu viva em paz com o meu coração…
-
Ameaça-me com hérnias discais, diabetes, hipertensão e todos os riscos
inerentes ao envelhecer… Não tenho medo de ti e tenho a vida em dia, aconteça o
que acontecer.
Cinquenta
anos?
Caminharei
feliz por entre as bermas que a minha vontade adornou de pétalas; na mão
direita a caneta que desenha sílabas como golpes de espada sobre o medo e o
impossível.
E
quando quiserem falar de mim nunca contem por onde eu vim. Aquilo que melhor me
define é tudo o que eu tenho para viver.
E se me encontrarem algures pelo caminho não esperem ver as imagens que
de mim criaram. Há tanto do melhor que serei que nem eu próprio consigo ainda prever.
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