“Comboios completos de pensamentos”
Talvez
a saudade seja antes de tudo, esta luz de Lisboa que nos faz falta quando
partimos por muito tempo ou apenas por breves instantes.
Este
meio-dia de Lisboa não existe em mais nenhum lado.
Chegámos
ontem de uma semana passada entre São Petersburgo e Moscovo, nós, os sete
amigos, e mais trinta e duas criaturas clientes da mesma agência de viagens;
todos os trinta e nove contados e recontados pelos guias naquele jeito de:
-
“Tirititxica, tirititxica…”.
E
entre a “Con’ ceteza” e a “Sen’ ceteza”, os “Pinipons” e a “Dony”; nunca
ninguém faltou no autocarro que tinha tapetes de quarto de dormir ao jeito dos
anos setenta.
Refira-se
que Dony é o diminutivo de “Doninha” uma criatura do nosso grupo que quase nos
matava quando abria os braços. Verdadeira embaixatriz do suor lusitano, esta
criatura para quem o desodorizante é um mistério mereceu inclusive uma rima
muito jeitosa:
“Eu
não cheiro mal da blusa,
Das Calças,
do meu casaco
Trago apenas,
tal se usa
Ratos mortos
no sovaco”
Mas
como no fim de qualquer viagem se exige um balanço; em sondagem realizada
ontem, não à boca da urna mas do avião e junto dos sete magníficos, foi possível
ficar a saber quais as cinco maiores atracções da viagem, apresentadas aqui sem
qualquer hierarquização:
-
O Palácio de Peterhof nos arredores de São Petersburgo junto ao mar Báltico;
-
O Hermitage com Rembrandt em destaque e o quadro “O filho pródigo”;
-
O Kremlin e a Praça Vermelha;
-
O lago junto ao Convento das Donzelas, em Moscovo;
-
A Catedral de São Basílio, em Moscovo, e a Igreja do Sangue Derramado, em São
Petersburgo.
A
não perder e não podendo deixar de salientar que o melhor de tudo foi mesmo
viajar neste grupo de sete onde as gargalhas andaram à solta e pelos mais
variados motivos.
As
gargalhadas e as selfies.
Os
Russos são em geral frios, distantes, militaristas, antipáticos, rudes, não
sorriem e não falam Inglês. Praguejam contra nós nas lojas e nos museus, e as “múmias
paralíticas” que colocam nas salas dos museus e nas igrejas conseguem ser mais
antipáticas que os sarcófagos que protegem do barulho e das máquinas
fotográficas.
Dá
a sensação de que já saíram da União Soviética mas a União Soviética nunca lhes
sairá dessa alma que adora o Putin, o seu “presidente muito democrático”.
Dizem
eles, claro.
Comem
galinha em excesso e até na Salada Russa, abusam do pimento, do pepino e da beterraba,
e põem-nos a suspirar pelo MacDonalds, mesmo sem qualquer intuito de natureza
provocatória e imperialista.
Às
vezes limpam o suor da testa com o guardanapo a que depois limpam os lábios.
Mas
nós também tínhamos a Dony.
As
cidades preservam os ciclos que lhes enfeitaram o tempo, ricas armaduras de cal
sobre a face dos Homens que lhes dão vida mas que não sorriem.
Às
vezes ficamos só nós perante uma fachada a saborear cá dentro o eco das
palavras dos poetas e dos romancistas, “comboios completos de pensamentos sem
tradução para a linguagem humana”, como bem definiu Dostoievski.
Voltaríamos
a viajar para São Petersburgo e Moscovo, de avião, de comboio… ainda que nos
saiba tão bem este meio-dia de Lisboa.
Comentários
Enviar um comentário