As novas versões do presépio.
Há
dias tive oportunidade de passear no centro de Madrid, e entre a surpresa e a
desolação, senti como a movida foi irremediavelmente
substituída pela indisfarçável pobreza.
Entre
a Chueca e a Puerta del Sol, passando pela Gran Via, respira-se o mesmo ar do
nosso Rossio e, suponho, da Praça Sintagma, em Atenas.
Há
centenas de pessoas sem-abrigo buscando os sítios que mais as possam proteger
do frio, competindo em número com gente que enverga coletes reflectores
publicitando a sua disposição de comprar ouro a bom preço, abutres sem escrúpulos
pousando sobre os restos da miséria dos que definham.
E
os grandes armazéns e casas comerciais, ali mesmo ao lado, já têm luzes e falam
de Natal.
Mas
se o Natal é Cristo, e se pela minha fé, Cristo está onde está o Homem, não
tenho dúvidas de que neste Natal, na nossa Europa da 4ª divisão, Cristo está
aqui enrolado em cobertores e edredões sujos num presépio com o patrocínio de
um Herodes chamado austeridade, morrendo de fome e à mercê da generosidade de
uns quaisquer “pastores” saídos de alguma ONG ou Banco Alimentar.
Mais
revoltado do que triste, apanho um táxi de volta ao hotel e as notícias em
Castelhano que o auto-rádio vai veiculando, não deixam dúvidas: Jesus morre
aqui, assim, à fome nas ruas das nossas cidades, ao mesmo tempo que é
assassinado friamente em Gaza pelas mãos daqueles que só conseguem perspectivar
um holocausto quando estão na posição de vítimas.
Subo
ao quarto e pego no jornal que recolhi no aeroporto e que a curta viagem entre
Lisboa e Madrid não me permitiu ler.
Em
destaque, a notícia: “O Papa afirma em livro que não havia animais no sítio
onde Jesus nasceu”.
Como
vai obstinada a cruzada germânica contra os ruminantes. Primeiro, a outra
matou-nos as vacas gordas, e agora o Sumo Pontífice mata-nos a vaca do
presépio!
Como
católico, permita-me Santo Padre que lhe diga, que hoje o mundo, mais do que
uma rigorosa perspectiva histórica de Cristo, necessita de uma perspectiva
social activa e dinâmica que não tenha medo de ferir sensibilidades de natureza
política e económica, e defenda sem cessar todos aqueles que mais sofrem.
Para
esta perspectiva, ajudará, como sugere o povo, que nos “montemos” nas botas dos
que são vítimas.
E
que tal começar por descalçar esses “sapatinhos” Prada?
Era bom se pudéssemos meter o espírito de natal na cabeça de alguns políticos e que fosse natal todos os dias.
ResponderEliminarRUI PEREIRA
Francisco... Bento XVI é um teólogo! Não pode fugir a isso. O presépio, como sabes, tendo muitos elementos teológicos, tem, simultaneamente, muitos elementos da religiosidade popular. Compreendo o que dizes, mas não me parece que as palavras do Santo Padre devessem levantar tanta polémica! Ainda não li o livro, mas tenho quase a certeza de que manifestará a forma como Cristo viveu e a sua mensagem grandiosa sobre o amor. Não percebo porque todos falam da história dos animais do presépio quando o livro deverá ter tantas coisas com muito mais interesse... mas enfim! Sobre os sapatos... concordo, e com muitas outras coisas! ;)
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