Salazar engarrafado
O
mau nunca deverá servir para aliviar a carga negativa do péssimo, e muito menos
para legitimá-lo.
E
por isso, e por muito mal que vá a nossa democracia e por muito graves que
sejam os ataques ao nosso estado social, jamais aceitarei que isso sirva de mote
para tornar Salazar um herói nacional.
Sabemos
que a memória é curta, mas por favor, garantam que nela reservam espaço para
recordar que o ditador que governou Portugal durante meio século cultivando a
pobreza e a desigualdade, o homem que nos privou de toda e qualquer forma de liberdade,
o indutor da mais estúpida guerra que feriu de morte uma geração de homens e as
suas famílias, seja sempre recordado pela verdade do seu ser: um imbecil, um
hipócrita e, sobretudo, um assassino, traidor da pátria e da liberdade que aos
Portugueses assiste.
Vem
esta minha reflexão a propósito do registo de duas marcas de vinhos, “Terras de
Salazar” e “Memórias de Salazar”, que alguém da zona de Santa Comba Dão quer
colocar no mercado.
Absurdo,
e no mínimo, de muito mau gosto.
Poder-me-ão
dizer que a proibição do registo destas marcas comerciais é a violação da
liberdade de alguém que entende colocar estes nomes ao vinho. Não o vejo assim.
A consciência nacional terá sempre legitimidade para se sobrepor e julgar actos
individuais.
Sobre
Salazar, e porque de bebidas falamos, não resisto a partilhar convosco, uma
parte da carta por ele enviada ao presidente da Coca-Cola, recusando em 1962, o
lançamento desta bebida no nosso país:
«Sei perfeitamente que o senhor nada
tem a ver com vinhos, nem com sumos de fruta e é bem por outra razão que –
apesar das excelentes relações que mantemos, o senhor e eu, e que datam da
época em que representava a Fundação Rockefeller e não sonhava sequer em fazer
parte da Coca-Cola – sempre me opus à sua aparição no mercado português.
Trata-se daquilo a que eu poderia chamar a nossa paisagem moral. Portugal é um
país conservador, paternalista e – Deus seja louvado – atrasado, termo que eu
considero mais lisonjeiro do que pejorativo. O senhor arrisca-se a introduzir
em Portugal aquilo que eu detesto acima de tudo, ou seja, o modernismo e a
famosa efficiency. Estremeço perante a ideia dos vossos camiões a percorrer, a
toda a velocidade, as ruas das nossas velhas cidades, acelerando, à medida que
passam, o ritmo dos nossos hábitos seculares.»
O
louvor da miséria a emergir na paisagem moral de um país que se opõe ao
modernismo. O verdadeiro retrato de Salazar.
Por
mim, garanto-vos, jamais beberei ou brindarei com um vinho de nome Salazar nem
que a sua qualidade seja expressão de um néctar dos Deuses.
Venha antes Coca-cola, mesmo Diet.
Obrigado amigo Francisco Caeiro, pela partilha de mais uma pertinente reflexão sobre a nossa memória colectiva. O tempo e o desespero da Crise tenta muitas vezes branquear ou maquilhar esses pedaços da nossa História mais recente.
ResponderEliminarBarreiros, hoje depois do jogo do calipolense, onde desempenhei as funções de bilheteiro,o que me impediu de ir ao lançamento do teu livro, encontrei o teu pai e dei-lhe os parabéns pelo teu livro (que tinha folheado dez minutos antes na "mao" do Lourinho)e pedi-lhe que me fizesse chegar um exemplar. Já o li quase todo pois leio o teu blog com muita assiduidade. Como não tenho o teu telefone quero pedir-te desculpa por não ter estado presente e agradecer-te por nos fazeres recordar tantas coisas da nossa infancia (o grupo sementes de esperança, a rua de três, os anechins etc..) mas, se me permites uma sugestão, devias fazer um post sobre um Homem que, na minha opinião, marcou a Vila e nos marcou a todos, nas missas dominicais, no Liceu, no grupo de jovens, nos escuteiros, na rádio, e... enfim na vida- o padre Zé Luís (o buda, o Démis Russus, o Bud spencer, etc...), ficam os parabéns e a sugestão.
ResponderEliminarUm abraço
Inácio Esperança