Amigos
O
domingo amanheceu cinzento, e é de sombras que se me fazem as margens quando
cruzo o Tejo rumo a Almada, e depois, pela A6, me entrego ao Alentejo para um
breve regresso a casa.
A
invernia reserva-me o asfalto só para mim, numa quietude que é desde logo
adoptada pelos pensamentos, esses tantos que voam à medida que saboreio a
majestade dos sobreiros rasgando o horizonte, nosso conforto e privilégio único
de filhos da planície.
Dormi
muito pouco, muito menos que o habitual, nas noites de Sexta e Sábado. A
inauguração da casa do André e da Catarina, e a comemoração dos cinquenta anos
do JP, foram pretextos para jantares de amigos, e entre as gargalhadas, as
conversas, as confidências e as cumplicidades, se fizeram muito curtas e
voaram, todas as horas destes serões especiais.
E
o presente faz-se e adoça-se desta amizade.
Por
alturas de Montemor começa a chover de forma intensa, e a estrada é
definitivamente só minha enquanto os pensamentos e as memórias me dão o
conforto de uma companhia.
O
destino, marcado no GPS e que faz com que a “Maria do Amparo” com a sua voz
definida como “Amália Metálica” seja a cada cruzamento, a emissora das únicas
palavras sonoras que me acompanham, não tardará muito.
À
espera em Vila Viçosa tenho trinta anos da minha história, concretizada num
enorme e fantástico grupo de amigos com quem partilhei inúmeros dias do meu
passado, ali por volta dos vinte anos.
E
partilhámos os dias, entrelaçando-os de sonhos e de fé, daquela forma tão
especial, que torna eternos, todos os afectos.
Com
a bênção do nosso querido Padre Simões, a abraços celebrámos o nosso
reencontro, estranhando o facto de as barrigas de forma tão intensa se
intrometerem entre nós nesse gesto, oferta dos braços, que tão bem celebra a
amizade.
Rita,
a frase do dia foi tua:
-
“Até as violas parecem estar mais gordas.”
Cantámos,
celebrámos a fé que comprovadamente amadureceu connosco, e rimo-nos como nos
bons “velhos” tempos, não me escapando eu a um duche de sumo de maracujá vindo
da boca de uma dama cuja identidade não divulgo, após um daqueles comentários
tolos que por vezes me escapam. O comentário é que é mesmo irrepetível por
imposição do pudor.
As
cumplicidades eternas na festa da amizade.
A
chuva parou quase no preciso momento em que me faço de novo à estrada para
regressar a Lisboa, depois de um jantar em família e dessa árdua tarefa de pôr
o meu pai a manipular um telemóvel novo. O João Pedro, o Miguel e o relato do
Benfica fazem-me companhia, e por entre os lamentos dos falhanços do Cardoso e
os ataques perigosos da equipa adversária, lá nos vamos rindo e falando sobre a
semana que nos espera e que para eles é mais uma etapa na vivência do primeiro
ano dos seus cursos universitários.
A
amizade faz-se presente pelas suas inquietações e as suas esperanças, afinal de
contas tão iguais às que eu e as mães deles partilhávamos nos domingos à noite
quando fazíamos as longas viagens de “camioneta” até Lisboa.
E
os sobreiros são agora sombras à mercê da generosidade da lua. E aqui e ali
vão-me acompanhando até ao momento em que vislumbro de novo o Tejo.
Para
o alentejano, o Tejo, mais do que um rio, será sempre uma corrente de lágrimas
ao ritmo das saudades de casa e do campo, por mais que Lisboa nos atraia, bela
e sedutora, do outro lado das pontes.
Com
urgência, necessito entregar o corpo à cama e pô-lo à mercê dos sonhos.
Adormeço
sobre a intemporalidade dos afectos e da amizade.
Jamais
saberei se o passado dos afectos me ensinou a viver o presente, ou se pelo
contrário, é o presente dos afectos que me permite reconhecer e valorizar o
doce dos de antes.
Ou
talvez as duas visões sejam verdadeiras e estejam naturalmente presentes nos
dias em que nos entregamos à vida, estrada fora, sem medo e sem reservas ao
amor.
Não me recordo se sonhei, mas tenho a certeza de que sorri, no outro dia,
quando o amanhecer me despertou.
Que fim de semana , em cheio mas ,não são as coisas bonitas que marcam nossas vidas, mas sim as pessoas que têm o dom de jamais serem esquecidas
ResponderEliminarRUI PEREIRA
Será que há amigos?Há pessoas que só pensam nelas e deitam tudo a perder.A vida tem destas coisas eu já não acredito na amizade de ninguem neste momento.
ResponderEliminarM. Pereira