Há tanta vida que se esconde nos dias escuros
É
noite de uma segunda-feira que inundou Lisboa, e chove também copiosamente
quando já noite, eu me despeço de Vila Viçosa da forma de sempre, rezando uma ave-maria
à Senhora da Conceição ali naquela rampa que liga o Terreiro do Paço e o
depósito da “cegonha” e me faz passar ao portão do meu velho liceu.
Tenho
sempre a sensação de que expresso um “até já” a tanta coisa minha que persistirá
sempre por ali.
Sigo…
A
auto-estrada para Lisboa está um breu só rasgado pelos faróis do meu carro e de
uns muito poucos que se cruzam comigo, e também pelos relâmpagos da trovoada
que generosamente me vão revelando a elegância dos sobreiros e dos montes, meus
fiéis companheiros em tantas tardes de viagem pelo Alentejo.
E
não fosse a trovoada, até o castelo de Evoramonte passaria despercebido,
ganhando no entanto com estes flashes,
um semblante misterioso a lembrar os sumptuosos repousos eternos dos
desinquietos espíritos dos condes da Transilvânia.
Não
vejo corvos a rasgar os céus.
Só
consigo vislumbrar dezenas de sapos que a chuva convocou para a auto-estrada, e
fosse eu supersticioso e acharia que estava a ser carne de bruxaria no percurso
para uma grande desgraça.
Eu
vou com calma e a cumprir limites de velocidade, por entre palavras de amor
prometi a alguém que o faria.
E
a viagem segue na coerência deste breu e na fidelidade da trovoada, de tal
forma que o Castelo de Palmela, poiso dilecto de “Templários” admiradores do
apóstolo São Tiago, apresenta um perfil semelhante ao seu congénere alentejano
que albergou a convenção que nos fez oficialmente “liberais” na rendição do “absolutismo”
de D. Miguel, algures por 1834.
Não
tarda e chego à ponte.
Já
vejo Lisboa e já não chove.
Estou
quase a chegar a casa e a primeira coisa que vou fazer depois de pôr a água a
ferver para um chá de jasmim, é tirar algumas notas.
Há
tantas histórias que nos assaltam (como os sapos saltitantes) durante duas
horas de viagem por uma estrada escura à mercê de relâmpagos para ver algo mais
do que o asfalto e os separadores e sinais.
Pois
é…
Há
tanta vida que se esconde nos dias escuros.
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