Aquilo que se esconde por detrás de uma tarde de nevoeiro…
Ao contrário, talvez, da grande maioria das pessoas, eu
gosto dos dias de nevoeiro. Tal não se deve à esperança de que eles me devolvam
um rei perdido em Álcácer-Quibir; mas
sim porque o tom cinza que encurta o horizonte nos oferece, simultaneamente, um
espelho generoso com vista desafogada para dentro de nós.
E assim ao fim da tarde com a casa envolta em bruma, apagam-se
as luzes…
Quando Tom Hulce
soltou a primeira gargalhada em Amadeus,
de Milos Forman, já nós levávamos de
avanço, muitos minutos de riso, tal o impacto e a surpresa do “mergulho” no
vazio que as cadeiras do Cinema Londres
nos proporcionavam após nos termos sentado tranquilamente.
Ali pela Avenida de Roma, em 1985, onde voltaremos
outro dia para espreitar no Roma, a
bailarina no armazém da padaria de Era
uma vez na América, existiam algumas casas de venda de Croissants onde depois poderíamos jantar. Um de cogumelos, outro de
fiambre, e para a sobremesa, talvez um Croissants
de chocolate ou de doce de ovos.
Já no início de 1986, quando a Meryl Streep e o Robert
Redford voavam apaixonados sobre a Savana em África Minha no écran gigante do São Jorge, o nosso jantar tinha sido antecipado com a compra de uma
inéditas sandes gigantes de fiambre, alface e tomate que preparavam no Celeiro, à Rua 1º de Dezembro.
Nunca tínhamos visto por cá estas sandes maiores do
que a maior carcaça, e nós, muito modernos, lá íamos subindo a Avenida ao jeito
dos protagonistas das séries da TV.
As escadas do Eden
são terríveis de subir mesmo quando o balcão só nos leva até ao purgatório. Sim,
esse mesmo, o Purgatório do Fado num Querido Lilás em que o Herman foi a mãe
do filho e o… filho da mãe, num guião “desenhado” pelo benfiquista da luva
preta, o Artur Semedo.
O jantar?
Nesse ano de 1987 talvez tenha sido um hamburger
grelhado na chapa e coroado com cebola frita, o avô lusitano do Big Mac, comprado ali na Rua das Portas
de Santo Antão numa loja muito pequena quase em frente à Casa do Alentejo.
E antes que os anos oitenta sucumbissem ao ciclo
inevitável do tempo, entre a Faculdade de Farmácia e o Quarteto, na Avenida Estados Unidos da América, existia a Gelataria
Pindô na Avenida das Forças Armadas, onde
um café com natas ficava sempre bem na antecâmara de qualquer filme menos
comercial.
Asas do
Desejo ou até o Cinema Paraíso, do qual eu já tivera o
meu quinhão muito particular quando o meu pai foi projecionista em Vila Viçosa
e trabalhava com uma velha máquina gigante onde era fundamental alinhar dois
carvões incandescentes, que às vezes cortava as fitas, e que proporcionava até
fenómenos de ressurreição de personagens, sobretudo quando por engano se
trocavam as bobines.
Viram onde o nevoeiro hoje me foi encontrar?
Os filmes contam histórias e todos juntos, assim,
contam a nossa história, mas sempre com os beijos no lugar certo e nunca
cortados.
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