Pães de Deus
Lisboa
revela-se esplendorosa na manhã de Outono, descortinando-se pela imensidão da
luz, à medida que avanço por entre as folhagens ocres, castanhas e vermelhas de
Monsanto.
Encontro
a Patrícia triste mas carregada de fé, e na capela onde repousa a sua avó,
sentamo-nos a falar das memórias que perpetuarão viva esta senhora que eu nunca
conheci pessoalmente, mas apenas e só pela demonstração dos afectos que a sua
neta, com quem tenho o grato prazer de privar diariamente, infinitamente lhe
dedicava.
E
de cuidados de mãe, de carinhos, de fofos Pães de Deus na merenda para a
escola, de rosas brancas e declarações de amor, se foi fazendo a nossa
conversa.
Uns
instantes mais tarde, estando com um colega na área que é uma espécie de
corredor de acesso às capelas, somos interpelados pelo sacerdote que vem para
oficiar o funeral.
Cumprimenta-nos
e surpreende-se quando o trato por Senhor Padre, tendo então de lhe explicar
que uma cruz na lapela e um saco de papel com uma alva e uma estola de cor
roxa, são sinais demasiado fáceis para o “descodificar”.
Explica-nos
então que acabou de chegar, que vai presidir à Eucaristia e de que necessita de
informação básica que lhe permita enquadrar a sua tarefa no funeral de uma
senhora de 97 anos.
Questiona:
-
Como era a vida desta senhora?
Nem
nos deixa responder e complementa:
-
Talvez nem os senhores, que não novíssimos, consigam saber? Esta senhora nasceu
em 1915…
Dos
presentes ali naquele momento, ninguém é da família, pelo que nos olhamos,
hesitamos por momentos, mas acabamos por responder:
-
Esta senhora, em 2012, vivia no contexto de uma família que a amava e passou
pela doença com o conforto, os carinhos, o afecto, e todas as expressões de
amor dos que a rodeavam.
Surpreende-se
com a nossa resposta e sente-se na obrigação de se justificar:
-
É que muitas vezes estas pessoas estão em lares a viver dias difíceis e a sua
partida é quase uma bênção.
Perspicácia,
bom sentido de observação e conhecimento da realidade… mas tristes vão os
tempos quando até um Padre da Igreja Católica já assume que a regra é a
indiferença e que a excepção, a tão pouco expectável ocorrência, é o amor.
Sorri
tímido mas sinto-lhe o conforto de estar entre a sua gente, prole dos afectos,
e solta-se exactamente pelos afectos. Consigo então e a posteriori ,ler prudência na sua questão inicial que me causou
incómodo.
À
medida que se paramenta, apresenta-se a todos os que foram chegando, e celebra
a Eucaristia com um toque pessoal de intimidade, na palavra e nos gestos, que a
todos nos deu o gosto de estar em família.
O
amor, sentido e partilhado, jamais deixará de ser o melhor mote para todos os
momentos. É e será sempre a suprema inspiração.
E
pelo amor, sentido na festa de quase um século de felicidade da Avó Alzira, se lhe
solta a fala para dizer vida, a nossa vida, e falar da urgência de olharmos
para o positivo das pessoas e pormos de parte a mesquinhez do tão pouco que por
vezes nos separa…
E
pela vida falamos de Deus, que é Pastor, Pão e… Vida.
Devolvo-me
à A5 nesse abraço em que a luz de Lisboa me preenche os ombros.
As
cores de Monsanto não conseguem mesmo desmentir que é Outono.
Chegarão
ventos fortes do lado da Ponte e as vulneráveis folhas, de castanho forrarão o
chão, mas não morrendo jamais, as árvores imponentes a que primavera devolverá
o viço.
E
a queda das folhas no adeus de Outono, é muito pouco perante a Primavera, que é
o que mais importa.
É
e será sempre assim, muito pouco e fugaz, o adeus na morte para quem carrega o
privilégio da fé.
É a Vida, o que mais importa.
Parabens, esta lindo mas é triste quando se perde alguem que tanto nos diz ,como os afectos de familia ficam sempre na nossa memoria
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