Tias nas nuvens
No
voo de Barcelona para Lisboa, o avião da Portugália vem cheio que nem um ovo,
não sendo necessário ir muito para lá do inicio do embarque dos passageiros,
para que se instale a maior confusão. Gente, malas e sacos de plástico, competem
ferozmente por um espaço que em turística é realmente muito exíguo.
Numa
fila com 3 lugares, instalo-me na coxia, sempre naquela expectativa de ver quem
me iria companhia.
Foi
necessário esperar quase pelo fim do embarque para que aparecessem duas
senhoras louras e atacadas de madeixas, magras e com um tom de pele que quase
me convenço que estiveram o verão à beira mar e sempre a dispensar protector, e
como ele lhe faria bem para protegerem as cicatrizes das operações que fizeram
às respectivas bocas. As plásticas cheiram-se a léguas porque semelhantes bocas
não fazem parte do catálogo das ditas disponibilizado por Deus por nascimento.
Falam
alto, barafustam com a hospedeira e cedo me apercebo que não podendo sinalizar
a sua superioridade com assentos em executiva, porque certamente a bolsa não
lhes acompanha o estatuto, todo aquele “arraial” é montado para que nos
apercebamos que à nossa aeronave chegaram dois seres especiais.
Levanto-me
para as deixar passar, elas ignoram-me literalmente, e sentam-se sempre a
praguejar naquele tom de voz desenvolvido algures entre o bagaço, o tabaco e os
tiques adquiridos na fila do Santini, em Cascais.
Penso
então para comigo:
-
Bem-vindo ao mundo das tias.
Começo
a observá-las com mais atenção. Discretamente, claro.
Vejo
que a altura é falsa e o doping advém de uns sapatos compensados que parecem
ter sido roubados a uma Drag Queen à
porta do Finalmente.
Com
certa atracção pela selva, reparo que uma tem umas calças com padrão de piton e
a outra, uma camisola que faz dela um tigre escanzelado. Autênticas feras.
Acompanham
as palavras com carícias às madeixas e por isso a conversa sai-lhes com um
acompanhamento sonoro e metálico do choque de infinitas pulseiras e anéis.
Entre
as carteiras, os adereços e a roupa, reparo que têm mais LV’s espalhados pelo
corpo do que flores tem um jardim botânico. Só não consigo confirmar se de
verdadeiras peças se trata, ou se andaram loucas pelas Ramblas a correr atrás de contrafacção.
Sabendo
eu que não é elegante e educado ouvir as conversas alheias, sempre vos digo que
pelo tom de voz das minhas companheiras de viagem, só não as ouviria se
estivesse sob o efeito de uma anestesia geral. Aliás, a conversa é para que
todos escutemos e é assim mais ou menos semelhante a uma prova de memorização
dos locais assinalados no guia do American
Express.
Só
diminuem o tom de voz para falar de alguém ao estilo fofoca e aí só eu e os
mais próximos, ficamos a saber que falam da Picas, da Tochas, da Lupa, da
Poupas e da Teka. Esta última deduzo que a mais quente de todas pois para
partilhar nome com fornos de encastrar…
Tratam-se
por você e reparo que uma delas troca os R’s por G’s, o que lhe oferece uma
sonoridade muito particular:
-
“Esta guevista está supé desinteguessante”.
A
hospedeira serve um gelado que elas rejeitam e pedem mais tarde um sumo de tomate
temperado com sal e pimenta, o qual saboreiam enquanto vão o mais longe que
podem na análise política do momento:
-
Vê-se que o Paulo está nisto a contragosto.
-
Ele de facto não pode “fazegue” nada.
Confirma
a Miss G’s.
E
assim distraído, nem dou pelo tempo passar e quando dou conta já estamos em
solo pátrio e banhados pela luz de Lisboa.
Levanto-me,
retiro as minhas bagagens e resolvo surpreender as “minhas tias”.
Quando
chega a minha vez de avançar para sair do avião, estanco, travo o passo aos que
estão atrás e faço-lhes sinal para que se levantem e saiam antes de mim. Talvez
embalado pelos gritos de toda a viagem, solto um “faço questão” tão alto que
até eu me surpreendo com ele.
E
elas não resistem, levantam-se, recolhem as trouxas e saltam felizes à minha
frente no seu delírio tilintar de pulseiras, não sem antes sorrirem e me
dizerem:
-
Obrigadaaaaaaaaaaaaaaaa!
-
De nada.
Respondo
pensando para mim:
-
Obrigado pela companhia e… pela comédia gratuita.
Tias
nas nuvens. Caricaturas de Portugal nos céus da Península Ibérica.
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