As heranças que perpetuam a alma
Quando
de repente gozo o último feriado no dia da Restauração da Independência de
Portugal, quando vejo a freguesia onde eu nasci ser “engolida” por uma outra, depois
da saída da RTP do Eurofestival e do quase inevitável apoio que no certame do próximo
ano eu terei de dar à Espanha, quando me cruzo em Vila Viçosa com uma criança
vestindo um capote cor-de-rosa fluorescente, prova evidente de que a japonesa Hello
Kitty já atacou o traje regional alentejano, depois de os colombianos nos
comprarem a TAP e dos chineses nos terem comprado mais de metade do país, é
natural que manifeste as minhas muito sérias preocupações sobre a preservação
da identidade nacional.
É
que não dá jeito nenhum que a globalização e a sua aliada e quase siamesa crise
financeira, se nos “mate” o ADN definidor da mais pura lusitanidade.
E
isto não é nacionalismo bacoco e nem sequer uma síndrome pré-xenofobia, é pura e
simplesmente o assumir de uma História de muitos séculos, exactamente naquilo
que há de mais natural e de humano sentimento: gostarmos de ser Portugueses.
Estava
eu embrenhado nestes pensamentos quando me vejo a viajar com três rapazes de 18
anos, filhos de amigos de há muito e que recentemente fizeram o seu ingresso em
universidades da capital. Um gosto.
Passaram
trinta anos desde os tempos em que eu e os pais deles fazíamos estas viagens
com o patrocínio da geração anterior à nossa. A sua forma de pensar é
diferente, e felizmente, porque o mundo deles também nada tem a ver com o
nosso, desde logo por essa facilidade de comunicar através das viciantes SMS’s
trocadas a toda a hora, mas a essência é igual à dos seus pais, que os educaram
e continuam a educar, e o essencial emerge facilmente na conversa e na atitude:
honestidade, responsabilidade, liberdade, respeito, etc.
Ontem,
e como sempre antes da hora do almoço, juntámo-nos à conversa no Café
Restauração e bem contados, seríamos por certo mais de quinze amigos. Talvez
pela primeira vez e apesar de todas as emoções dos nossos acontecimentos mais
recentes, os “nossos” filhos mais pequenos, partilharam connosco as atenções na
hora de eleger tema de conversa: a Maria Isabel que é a minha querida ” Mafalda
Veiga do Carrascal” deu show nas cantigas do Sarau dos Escuteiros da véspera, o
Francisco foi reconhecido como o Escuteiro Ideal, e o Fábio, fez uma
interpretação numa peça de teatro e dizem os entendidos que foi fantástica em
jeito e arte.
Onde
é que eu já vi isto?
Há
quarenta anos, acontecia exactamente o mesmo connosco depois dos teatros que
fazíamos na escola ou na catequese. Os meninos, mais do que a arte,
herdaram-nos a alegria e sabem rir tão bem ou melhor que nós.
E
assim, por estes caminhos microscópicos deste também microcosmo definido pelos
meus afectos, chego ao segredo e me faço à conclusão de que pelos valores do
ser e pela alegria, todos feitos herança, se fortalecerá a alma, e esta, jamais
alguém nos poderá um dia alienar.
É
a alma, o ADN de um povo.
É
a alma, a nossa salvaguarda e o segredo da perpetuação da identidade.
É
a alma que nos define o ser, e mais do que isso, é ela que nos alimenta o ânimo
nas legítimas lutas pelo pão e pelo direito à dignidade.
Podem
vir crises, Troikas, Chineses, Angolanos, etc., mas aquilo que engrandecermos
no sentido de não ter preço, nunca ninguém nos poderá comprar.
Só
temos de lhe dar “com alma”.
Mas a menina do capote cor-de-rosa ao melhor estilo “Barbie – Ceifeira Alentejana”,
fica-me atravessada. Ele há cada uma…
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