Sardinheiras de aço
Os
dias do Natal oferecem-nos sempre esse benefício adicional da destruição das
desculpas que durante o resto do ano nos impedem de estar juntos.
É
assim em relação à Dulce e à Teresa.
Conheci
a Dulce em 1990 quando logo após terminar o curso, fui trabalhar para uma
farmácia em Lisboa, a Farmácia Universal.
Facilmente
encontrámos infinitas cumplicidades, nascidas de tudo, mas sobretudo de um
enorme gosto por viver e uma natural propensão para saborear ao detalhe tudo o
que de melhor a vida nos pode oferecer.
E
para além disso, ou talvez por isso, o que nós gostamos de rir e o tanto que
nos divertimos juntos…
Na
farmácia, começávamos a manhã, um pouco antes das nove e enquanto vestíamos as
batas, a ouvir as crónicas do Herman na TSF, e daí até à noite, à hora de
fechar, com a Yvette Marise, o Bernardo Teixeira da Cunha ou o Zé Estebes, oferecíamos
a todos os nossos clientes, essa oportunidade de levarem para as suas casas, mais
do que saúde na forma de caixinhas, uma melhor saúde em boa disposição.
Partilhando
um gosto muito especial pelo teatro, não deixávamos por ver qualquer peça,
mesmo aquelas do mais puro bas fond
da cidade mas que nos eram recomendadas pelo “Sete” ou pela página cultural de “O
Independente”.
E
nas raras vezes que a farmácia estava vazia, e por se achar com particular
jeito para representar, a Dulce arriscava a entrada em qualquer Serviço de
Ortopedia, ao transformar os nossos enormes escadotes de madeira em escadarias
de palcos de revista do Parque Mayer, que descia a cantar, de bata vestida e de
sapatos ortopédicos calçados, mas sempre ao melhor estilo La Féria:
-
Revista, venham à revista…
A
Teresa, também farmacêutica, chegou por intermédio da Dulce e carregada das
cumplicidades oferecidas pelo facto de ambos sermos alentejanos, de termos
nascido em Vila Viçosa, e até na mesma rua.
Sem
nos conhecermos pessoalmente por culpa de alguns anos de diferença e da distância
geográfica entretanto criada entre nós, conhecíamos as famílias e os laços de
vizinhança de muitos anos.
Por
tudo isso, mas sobretudo pela pessoa fantástica que é, foi muito fácil criar
com ela uma rápida e extraordinária amizade.
E
após estes mais de vinte anos de uma indestrutível amizade a três, “vigiamo-nos”
mutuamente ao longo do ano, ao jeito de quem cuida das pessoas de quem muito
gosta, e não dispensamos nunca o nosso jantar de Natal.
É
sempre em Lisboa, a cidade que amamos mais do que todas as outras, e são muitas
as que nos empenhamos em conhecer por esse mundo fora.
Por
esta época o Chiado brilha mais do nunca e é sempre aqui com a cumplicidade de
Camões e Pessoa, que marcamos encontro à porta da Brasileira, para daí irmos
até um qualquer restaurante onde nos sentamos para falar muito, rir ainda mais,
“actualizar ficheiros”, comer e beber bem, trocar presentes, e sobretudo,
entregarmo-nos ao desfrutar desse raro e perfeito sabor da mais doce amizade.
Os
três solteiros por opção e não por destino, provamos a quem estiver nas mesas
ao nosso lado, que “encalhados” são todos aqueles que, ao contrário de nós, se
sujeitam a “aguentar” os estados civis que não lhes nascem da alma.
Foi
ontem que cumprimos este mais do que assumido compromisso marcado a
indispensável no calendário perpétuo dos nossos afectos.
E
foi perfeito, como sempre.
Elas,
fantásticas, foram para meu privilégio, as mais rubras e viçosas sardinheiras a
brilhar no coração de Lisboa, numa amizade rija e forte como o aço.
Obrigado amigas por este pedaço do melhor Natal.
Muito bem! Adoro quando conseguimos manter vivas as amizades de anos. Laços fortes de amizade tão indispensaveis para manter viva a chama da Vida.
ResponderEliminarSó existe uma coisa melhor do que fazer novos amigos: conservar os velhos.
ResponderEliminarRui Pereira