Os beijos dos amigos são eternos
O
silêncio é o melhor refúgio para espreitar com nitidez todas as lembranças.
São
nove horas de uma Segunda-feira que vestiu o Tejo de um intenso azul, o instante
em que muito provavelmente nos encontraríamos junto ao café:
- A Anabela vem hoje muito bonita.
- Muito obrigado, mas o Joaquim é um
exagerado.
- Não sou nada. Os poetas é que não
sentem pudor em colocar palavras sobre a verdade.
Hoje,
aqui na igreja fria, resta-me o silêncio…
Conhecemo-nos
há oito anos e ficámos a trabalhar lado-a-lado juntamente com o Rui que era bem-disposto
e nos fazia rir aos dois. Fomos trabalhando e conversando, descobrindo-nos
cúmplices em muita coisa, e sobretudo, nessa forma tão completa de viver o amor
pelos nossos pais.
E
havia sempre uma história bonita da Beatriz, o seu amor maior.
- Joaquim, o mundo às vezes parece não
nos compreender.
- Anabela, o mundo está cheio da
banalidade que nunca terá capacidade para entender quem é superior e especial.
Às
vezes ao fim de semana o João aparecia com problemas na pele, eu tirava uma
foto e mandava-lhe por MMS. A resposta e a generosidade nunca tardavam.
- Traga-o amanhã ao consultório.
E
o meu sobrinho lá seguia feliz para a consulta, mesmo até disfarçado de
astronauta por estar a caminho da festa de Carnaval.
Depois,
sempre o mesmo gesto suave sobre a pele a denunciar que se nasce médico. As
universidades apenas validam e certificam essa genética.
- Tenho aqui o seu livro para me dar
um autógrafo.
- Aqui está e fico a aguardar o feedback.
Não
o terei.
Estamos
atónitos e tristes na igreja fria por onde passa em sombra o seu rosto
adormecido para sempre.
- A Anabela vem muito bonita.
Dirá
hoje o Céu com propriedade.
Nós
regressamos ao trabalho…
Apenas
os teclados dos computadores rasgam esse silêncio onde pululam as lembranças,
mas um silêncio que faz doer e que é também o choro triste e abafado dos poetas
Ainda
se nós os amigos tivéssemos pressentido que aquele era o último beijo, talvez
nos tivéssemos precavido contra esta saudade.
Um
último beijo?
Os
beijos dos amigos são eternos. E o Tejo está cada vez mais azul tingido por um
Céu que nos beija enquanto sorri.
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