Uma régua e a vida
Na
casa que foi sempre sua, estou sentado num longo banco de madeira nascido da
sua arte de carpinteiro. Há algum tempo tirámos-lhe a custo a tinta encarnada
que o cobria e fizemo-lo regressar ao sítio onde sempre esteve e onde foi ao
longo dos anos, o assento preferido por mim e por todos os meus primos quando em
visita a este rés-do-chão simples e pequeno que era a casa dos nossos avós.
Hoje,
já não tem vista para o poial dos cântaros e dos alguidares de barro, já não
serve para que descansemos enquanto observamos a nossa avó Natividade a fazer
os mais fantásticos pastéis de massa tenra do universo…
Hoje,
tem a melhor vista para a minha colecção de presépios e tem sobretudo esse
mágico condão dos objectos da nossa história: a indução das doces e melhores
memórias.
Do
meu avô Francisco, para nós o avô Chico, mestre de carpintaria, herdei uma
infinidade de boas lembranças, daquelas que são únicas dos bons avós, para lá do
nome e da… teimosia, ou a arte de levar as convicções aos territórios para lá
do normal, se formos mais rebuscados no Português e sobretudo mais benevolentes
na avaliação da dita característica.
Guardo
as memórias das nossas conversas quando a sua reforma e as minhas férias nos
ofereceram muito tempo para estar juntos. Recordo as longas histórias nas
lições partilhadas de vida, e sobre a vida.
Recordo
os “bombons” de avô…
A
nota de vinte escudos com a imagem de Santo António em cada um dos meus
aniversários, era um presente memorável, e o leitor de cassetes que recebi como
presente quando concluí com êxito a 4ª classe e que me permitia gravar todos os
Festivais da Canção com a ajuda de um pequeno microfone colocado junto à
televisão depois de exigir silêncio a toda a família, foi por certo uma das
melhores surpresas que me preparou.
Mas
o melhor presente de todos, foi-me oferecido nas vésperas de eu entrar para a
Escola Primária. O avô Chico fez-me uma régua em madeira na qual com cuidado e
rigor marcou os milímetros e os centímetros.
Uma
régua personalizada e nascida só para mim, privilégio de muito poucos.
Uma
simples régua de madeira ou um dos melhores presentes que alguma vez já recebi.
Jamais
os poderosos conhecerão este sabor doce e requintado das coisas mais simples,
privilégio único de quem tendo pouco, lhe sobra tempo e espaço para valorizar os
detalhes e sentir o amor por detrás deles.
Nunca
a régua do avô Chico me deixou ficar mal, dando-me sempre as medidas certas e a
faculdade de traçar direitas as rectas em qualquer um dos meus desenhos.
Na
matemática, no desenho e na vida, jamais as marcas do avô Chico me deixaram
ficar mal.
Com
80 anos, o avô partiu em Fevereiro de 1990 nas vésperas de eu começar a
trabalhar, nestas passagens informais de testemunho que a vida se encarrega de
fazer naturalmente entre avós, filhos e netos.
Partiu
sem jamais crer que o Homem alguma vez pisara o solo lunar, com a frustração de
nunca lhe ter saído a lotaria, o seu maior vício e a maior das suas “cautelas”
nos últimos anos de vida, e com a alegria de poder ir privar no Céu com a
Senhora da Conceição que de fé lhe marcara toda uma vida.
Eternizado
em mim e na memória de todos os que o amamos, o avô Chico faz amanhã 103 anos.
Marca
e marcará sempre com felicidade, os centímetros dos nossos caminhos.
As coisas boas da vida,não duram para sempre ,
ResponderEliminarMás são que deixam boas recordações,quem nao tem saudades do avõs
PARABENS esta lindo
RUI PEREIRA
Isto é a vida, contada de uma forma tenra e doce e tal como na vida é sempre bom ter uma regua para que os nossos valores nunca se desviem. Obrigado Joaquim
ResponderEliminarCarlos Delgado