A poesia e todos os dias
São
seis e meia da manhã quando desço pelo elevador e entrego na recepção a chave
do quarto, acertando então as contas com o funcionário que, simpático, me
convida a tomar um café e a comer algo do que se encontra numa mesa próxima de
nós, compensando dessa forma a ausência do pequeno-almoço que só começará a ser
servido às sete.
Bebo
sumo de laranja e como um croissant na companhia de um outro hóspede de quem
desconheço tudo e inclusive o nome. Por estarmos os dois ali frente a frente, acabamos
por encetar uma conversa daquelas que começam com referências às condições
atmosféricas e acabam a falar das viagens que nos esperavam a ambos.
E
este pequeno-almoço improvisado tem um gosto bem melhor porque as palavras
vieram romper o silêncio, e no final houve o breve afecto de um aperto de mão
com votos de um bom dia.
O
meu carro tem um agradável perfume a café que “salta” directamente do copo com
tampa que trouxe do hotel, quando saio da garagem e percebo por entre o
nevoeiro que muito em breve o sol irá nascer.
As
ruas do Porto estão desertas, e companhia tenho apenas a de uma gaivota que
esvoaça por segundos em rota paralela à do meu carro, ali para as bandas da
Boavista.
Em
Portugal, o mar está sempre presente, tratamo-lo por tu, e o voo das gaivotas
desenhando o céu é privilégio lusitano, mesmo quando a costa não está mesmo
ali.
Faço-me
à auto-estrada e vou percebendo como o sol se vai impondo às nuvens, de tal
forma que a Serra do Buçaco já se torna visível lá no alto à minha esquerda
quando passo por essas bandas de quase Coimbra.
Paro
mais à frente na Área de Serviço de Pombal. Paro eu e um autocarro de
peregrinos que vão para Fátima e que bem querem despachar os procedimentos da
breve paragem, tal a pressa que lhes percebo nas conversas que têm por entre os
detalhes da cumplicidade da fé que deixam escapar atrás de mim na fila do
pré-pagamento para uma bica.
Já
brilha descaradamente o sol quando regresso ao carro e completo o meu percurso até
entrar em Lisboa paralelo ao Tejo que rivaliza em azul com o céu feliz da
cidade branca.
São
quase dez da manhã.
No
meu caminho entre Douro e Tejo, e numa tão vulgar manhã de trabalho, há o afecto
das palavras, a liberdade do voo das gaivotas na intuição do mar, há o esplendor
do sol, o brilho da fé, e há tantas memórias induzidas pela música e por tudo
aquilo que o olhar vai colhendo da beira da estrada, os campos únicos e de
primavera do país mais fantástico do universo: Portugal.
A
poesia é pois muito mais do que apenas um dia.
A
poesia são os segredos e todos os detalhes que estão escondidos por detrás de
todos os dias, mesmo aqueles que às vezes até nos podem parecer demasiado banais.
Porque
a poesia é tão-só a própria vida, e poetas somos todos sem excepção quando
agarramos o tempo e lhe pomos a nossa marca, a nossa verdade, não deixando que
ele escoa por entre a vertigem da História sem que façamos de todos os dias, um
pedaço único do “nosso tempo”, o tempo em que somos felizes.
Viva
a poesia.
Vivam os poetas.
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