Ele há dias…
Estar
na cidade do Porto e tomar o pequeno-almoço na mesma sala do Pinto da Costa no
dia a seguir a uma derrota do Benfica no Estádio do Dragão, é uma experiência quase
tão agradável quanto escorregar por um corrimão de lâminas e aterrar com o
traseiro num alguidar de álcool puro.
Foi
difícil mas sobrevivi e lá parti com as feridas em processo de acelerada
cicatrização até à manhã de trabalho que decorreu sem quaisquer sobressaltos ou
recaídas do doloroso processo futebolístico de carácter agudo.
O
restaurante do almoço tem ao lado uma loja “A Vida Portuguesa” e não resisto a
entrar até porque tenho a incumbência de “espreitar” alguns presentes.
Confesso
que gosto do conceito da loja que vem de encontro às minhas memórias através de
produtos e marcas eternas como os lápis de cor da “Viarco”, os chocolates da “Regina”,
os sabonetes “Feno de Portugal” ou os limpa metais da “Coração”.
Mas
a “Vida Portuguesa” já não é definitivamente a mesma, nem com a presença de
todas estas marcas. Aqui, nas outras lojas e em todo o país em geral,
assistimos a um fenómeno interessante que é o risco de extinção de expressões
como “desculpe”, “obrigado” ou “se faz favor”.
Partilho
a minha experiência:
Na
prateleira dos produtos que me interessam há um letreiro que solicita ao
cliente a ausência de qualquer contacto táctil com as peças, devendo chamar um
funcionário para o ajudar.
Dirijo-me
então ao balcão onde está uma rapariga de avental a arrumar Rebuçados Santo
Onofre num cesto e solicito ajuda.
Se
eu lhe tivesse pedido para ela me cantar um fado da Amália, acho que me teria
respondido com igual expressão macerada de dor e cansaço.
Soprou
ao de leve e acompanhou-me com tal “simpatia” que me senti na obrigação de lhe
dizer:
-
Só a chamei porque segui a recomendação deste painel.
Nem
reagiu.
Eu
escolhi a peça e ela dirige-se novamente ao seu posto no balcão mas com uma
lentidão demonstradora de uma tal astenia que quase lhe recomendei umas ampolas
bebíveis de Sargenor para ver se arrebitava.
Fez
o embrulho, as contas e depois de eu lhe ter dado o Cartão Multibanco e de ela
o ter passado na máquina, o sistema deu erro.
E
aí directamente:
-
Isto está a dar erro. O senhor não deve ter dinheiro na conta.
E
disse bem alto para que ninguém pudesse deixar de ouvir.
O
comentário teve para mim o mesmo efeito que o ataque dos Japoneses a Pearl
Harbor teve sobre os Americanos, e declarei-lhe guerra.
Gritei
então ainda mais alto:
-
Tenho sim. Ainda há pouco consultei o extracto.
Ela
soprou mais uma vez sobre a máquina e voltou a passar o cartão.
Não
deixei passar o sopro em vão:
-
Nunca ouvi dizer que estas máquinas sobreaqueciam, talvez não valha a pena
soprar.
E
quando voltou a dar erro, uma colega armada em ONU resolveu intervir naquele
conflito armado:
-
Vai com o senhor ao balcão do primeiro andar porque aí o terminal é de outra
rede e vai funcionar por certo.
E
foi a “Madame ONU” que me pediu por favor para acompanhar a colega dado que a
minha “inimiga” nem para mim olhou.
O
cartão funcionou finalmente e eu acabei por sair da loja sem que a senhora do
avental me dissesse “desculpe”, “obrigado” ou “se faz favor”.
Este
episódio não é caso raro, suspeito eu de que se criou na cabeça de uma geração,
a ideia de que estas expressões que manifestam tão-só boa educação são sinónimo
de menosprezo perante egos superdesenvolvidos e importantes.
Ou
eu estou a ficar velho e tudo isto é uma patetice minha, ou seria importante
colocar por aí alguns cartazes idênticos àqueles que há alguns anos alertavam
para a necessidade de salvar o lince na Serra da Malcata:
“Salvem
o SE FAZ FAVOR na Vida Portuguesa”
Caso
contrário e assumamos a extinção, será conveniente mandar dizer para Espanha
que a expressão “es mas cumplido que un Portugues” está definitivamente
desajustada.
E
segui então para a minha tarde de trabalho que afortunadamente correu muito
bem.
No
entanto e como vai de dia, temo pela hora do jantar.
É
que com o balanço que o dia leva, não me espanta que se possa sentar ao meu
lado o Jorge Jesus a falar com alguém sobre as madeixas californianas que lhe
fazem no seu cabeleireiro preferido.
E aí…
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