“Olhai os lírios do campo”
Junto
à varanda da nossa casa de Vila Viçosa há um cipreste que serve de poiso a uma
importante família de pardais. Numa fantástica relação de vizinhos, eles
acordam-nos chilreando pelas manhãs e nós nunca deixamos de lhes oferecer comida.
Já
conhecem as horas das nossas refeições e nem sequer fogem de nós quando lhes
sacudimos as toalhas e “semeamos” migalhas pelo chão da varanda.
A
manhã por aqui dispensa pois os despertadores e “palpa-se” despudoradamente pelo
canto dos pássaros, pela luz que irrompe pela janela e também pelo relógio da
torre do Paço que a partir das sete começa a não falhar quaisquer horas, meias
e quartos.
Sem
relógios, o tempo parece que se torna muito mais nosso, naquele que é um dos
maiores segredos e virtudes do campo.
E
sacro é também este tempo assinalado pelos campanários, generosidade dos mesmos
sinos que convidam às Ave-Marias nas Trindades, e que um dia farão soar a nossa
morte pelos recantos da longa planície, este espaço temperado de oliveiras e
sobreiros, os maiores horizontes que serão para sempre a nossa casa.
O
despertar completa-se mais tarde com o café tomado na Pastelaria da esquina,
uma bica temperada de uma conversa sobre tudo ou quase nada, sem mesmo que a tivéssemos
combinado com os amigos, pois todos os que poderão estar por ali sentados são
vizinhos de sempre e há muito são amigos com quem temos partilhado os nossos
dias no que têm de melhor e… menos bom.
Há
afectos ao redor da bica e também dos nossos passos entregues às ruas que
conhecemos de cor nas pedras da calçada e dos passeios, na tonalidade garrida do
rodapé das fachadas invariavelmente brancas de cal, e também nos rostos da
gente que dão nome e história a todas as casas e a todos os recantos.
Afectos
e aromas das flores, da erva e da terra molhada.
Vão
directamente para a alma os “bons dias” que são soletrados pelos sorrisos que rasgam
o silêncio onde ecoam os nossos passos e onde emerge o insistente correr das
fontes que o inverno ressuscitou; o silêncio onde “brilham” as memórias de um
tempo em que por termos sido tão felizes, trataremos sempre por nosso.
São
de Entrudo estes dias que o Alentejo celebra sem máscaras no camuflar dos
sonhos, e com filhós à mesa do aconchego da braseira, perfeita compensação para
a aragem fria que insiste em recordar-nos que este é um inverno demasiado
rigoroso.
E
a filhós chama os amigos e a conversa…
Vila
Viçosa. Aqui nunca estarei só.
De simplicidade se enche a nobreza destes dias divinos no campo, que tão
pequena e vã é qualquer outra “grandeza” exposta nos altares da vaidade dos
Homens.
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