A idade?
Quando na passada semana nos
encontrávamos em Setúbal na fila para o ferry que nos levaria a Tróia, e uma
colega estava a ser importunada por um vendedor de óculos de sol e relógios,
uma espécie de “Canal Street com pernas”; eu aproximei-me e ela aproveitou a
minha presença resolvendo inventar que eu era o seu marido. O dito vendedor
soltou uma franca gargalhada acompanhada do comentário:
- Este velho de certeza que não é o
seu marido.
Eu bem sei que tenho mais doze anos do
que ela mas mesmo assim senti ganas de o mandar para bem longe dali ao mesmo
tempo que pensava:
- Olha este com a mania que é estrela…
E tivesse eu quaisquer tendências
depressivas e a coisa tomaria proporções de catástrofe no meu “sótão” e uma
convulsão nos “macaquinhos” pois nessa mesma semana e quando comprava o bilhete
para entrar no Mosteiro de Alcobaça, a funcionária, que nem olhou para mim e se
encontrava em amena cavaqueira com a sua colega das limpezas, me perguntou:
- O senhor não tem mais de 65 anos,
pois não?
Resolvi atacar:
- Se não estivesse a olhar para a sua
colega e tivesse olhado para mim teria poupado essa pergunta ridícula.
Ela não se fica:
- Há pessoas que parecem mais novas do
que realmente são.
E eu já a soprar:
- Nem sei se é pior que me chame velho
ou Lili Caneças…
Ela ataca de novo com a arma mais
poderosa e habitual dos funcionários da sua classe, o sistema informático:
- O sistema não me deixa anular um
bilhete e eu tenho sempre de perguntar estas coisas.
E eu que odeio este atirar de culpas
para cima da informática resolvo pôr-lhe uma coroa de flores sobre a campa:
- Se não estivesse a falar com esta
senhora e se dignasse olhar para mim saberia que eu não tenho 65 anos e não
empatava a sua colega, que o altar-mor e as teias de aranha de cor negra que
enfeitam os vidros bem necessitam que ela as vá lá limpar.
Paguei, peguei no bilhete, fui ver o
mosteiro e saí de lá de cabeça erguida, como o faz a selecção.
Mas mesmo não dando parte fraca nestas
situações, o que é certo é que acabei por revisitar o espelho com mais atenção
à procura de rugas, da curvatura generosa da barriga, dos cabelos e da barba
branca…
Estive mais atento aos ais que se soltam
instintivamente durante o acto matinal de calçar as meias, analisei melhor
aquele movimento difícil quando preciso de apanhar algo que caiu ao chão, o
levantar do sofá no fim do serão, o regresso à posição vertical depois de
escovar os dentes…
E conclui sem margem para dúvidas e de
forma perfeitamente isenta, que estou melhor do que nunca, não podendo ser mais
nada a não ser a inveja, aquilo que move os “desgraçados” dos vendedores de
óculos rasca em Setúbal e de entradas para o Mosteiro de Alcobaça.
Primeiro porque a idade está na mente
e na quantidade de coisas que ainda temos para cumprir por inspiração da
vontade. Velho é aquele que acha que já fez tudo e que lhe restam muito poucas
coisas por fazer, e eu, confesso-vos aqui e agora, sinto-me a começar, tendo um
infinito de coisas por fazer e a noção de que cumpri apenas uma parte muito
pequena dos sonhos que vivem colados a mim.
Depois, mesmo falando do físico, não
trocava esta por nenhuma outra idade e não consigo encontrar foto nos meus álbuns
em que esteja melhor do que estou hoje.
E não me venham com essa história da
ida ao oftalmologista porque as minhas lentes estão revistas e adequadas à
visão.
Está bem, de vez em quando solto uns
ais quando me levanto mas isso também não tem importância nenhuma pois
aproveito a deixa e sigo para a frente a cantar:
- Ai, ai, ai, ai, ai, ai… Puerto Rico.
E assim, a cantar, previno as rugas e a depressão.
Caro amigo, as marcas da vida vão ficando indelevelmente coladas ao físico e, mais lentamente, à mente, mas isso, normalmente, em idades que estão longe da sua. É fisiológico, mas combate-se. No seu caso, não é um problema de óculos dos que o clamam de idoso, é inveja de, mesmo os novos, não se apresentarem assim. Deixe os cães ladrarem, a caravana vai continuar a passar. Um abraço.
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