O girassol
Quando
usávamos bibe e calções, e brincávamos juntos em Vila Viçosa aproveitando a
sombra das laranjeiras da Praça de República; jamais terá passado pela minha
cabeça e pela do meu amigo Manuel, que um dia estaríamos sentados à mesma mesa
na mais antiga Biblioteca Municipal de Lisboa, a contar uma história que nos
tem a nós e às nossas histórias, como heróis.
Talvez
a magia comece aí na surpresa que a vida sempre encerra, e termine depois na
forma especial de olhar as coisas mais simples do universo, sentindo-as como
privilégios únicos que nos fazem crescer.
Porque
o amor se esconde sempre por detrás das coisas mais simples, quer falemos de
bolachas; ou então falemos de beijos, de abraços ou até de simples olhares.
A
sala da Biblioteca de São Lázaro tem uma forma única e as paredes forradas
pelas palavras libertas de tantos livros intemporais, são idênticas e ao jeito
da vida dos Homens nas formas perfeitas que o saber sempre lhe oferece.
As
palavras que se soltaram desta história ao ritmo das trincas nas bolachas
fabricadas pelo Rui, foram apenas uma infinitésima parte das muitas que habitam
este local, e ressoaram especiais sobretudo pela presença de tantos amigos; de
há muitos ou poucos anos, que o tempo não é condição essencial para reforçar os
afectos.
E
na amizade reside outra forma especial de magia.
Sobre
a mesa havia uma jarra com flores de entre as quais reluzia um girassol.
Há
alguns anos, um amigo e colega pediu-me dicas para ir visitar o Alentejo num
passeio de fim-de-semana com a mulher e os seus dois filhos.
Quando
voltou estava encantado com o que vira, contou-me o entusiasmo da família e
confidenciou-me que só uma coisa tinha falhado no fim-de-semana: os filhos
reclamaram por não ter conseguido nunca passar por um campo de girassóis que
nesse instante os olhasse directamente e de frente.
Na
passada sexta-feira, um dia antes desta reunião de amigos na Biblioteca com o
pretexto da história das bolachas, chegou-me a notícia da partida de um destes
meninos, agora um homem já com mais de 20 anos, após um terrível e prolongado período
de doença.
Achei
curiosa a coincidência do girassol na jarra e recordei-me desta história,
porque por mais alegres que sejam os nossos momentos, a dor dos amigos consegue
sempre galgá-los e tornar-se presente em nós.
Não
sei se este menino conseguiu antes chegar a ver os girassóis a sorrir-lhe
enquanto passava… mas soube procurá-los e quere-los a olhar para si numa
história, a sua, que foi curta mas intensa da magia que carrega o amor e a
profusão de sonhos.
Um
dia, tal como ele hoje, todos nós teremos todos os girassóis a olhar para nós,
no céu, no instante de cada aurora.
Mas
enquanto isso não acontece, não desperdicemos nunca, nem que só por um segundo,
as histórias e a magia que preenche e faz maior, a nossa própria história.
Às
vezes numa tarde de Lisboa, entre amigos e a deixar fluir os sonhos.
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