A mesma velha história
Apanhar
uma longa fila de trânsito a caminho de Lisboa na manhã em que no Parlamento se
discute o Estado da Nação é castigo demasiado difícil para um pacato e cumpridor
cidadão que como eu tem os seus impostos em dia e que procura afinal e tão só,
a companhia amiga de uma estação de rádio que o possa distrair um pouco.
Para
além do mais, o Estado da Nação é definitivamente péssimo e será estéril e uma
real perda de tempo, qualquer discussão em torno deste assunto.
Circulo
impaciente entre as estações de rádio que escuto habitualmente, e o facto de
todas elas estarem com o som da Assembleia da República acaba por me fazer
render e ficar a escutar um pouco, consciente no entanto que ficarei
predisposto para um intensíssimo consumo de anti-depressivos durante o
fim-de-semana.
E
a história é má de mais…
Escuto
Passos Coelho ainda numa autista pose de Primeiro-Ministro e fico com a clara sensação
de que ele, Cavaco e Portas, incorporam na perfeição e por demérito de
comportamentos, “O velho, o rapaz e o burro”. Tal como na história original
vão-se fazendo alternar no andar às costas que os faz chegar ao destino,
havendo no entanto esse detalhe de que os asfaltos que lhes servem de caminho são
as costas do povo que não foge aos impostos, dos desempregados, etc.
A
Presidente da Assembleia da República, que ontem chamou carrasco ao povo que
manifestava o seu descontentamento pela situação actual do país, tem claramente
uma voz e um comportamento de falsa ingénua que a colocam como “A Branca de
Neve”. Não é sustentada por sete anões mas tem o apoio de quase sete mil euros
de reforma que lhe são muito úteis enquanto espera que alguém a venha fazer
despertar do sono tirando-lhe da boca, o pedaço da maçã, e fazendo com que ela
veja que o povo não é estúpido e que é perfeitamente natural, a sua revolta
perante a falência das promessas de retoma que foram anunciadas em sucessivos
pacotes de austeridade, promessas mortas às mãos da inépcia e infantilidade dos
seus pares, verdadeiras “bruxas” más desta história.
Os
imbecis acabam sempre por ser carrascos de si próprios.
Escuto
Seguro e não tenho dúvidas olhando para as pessoas que comigo esperam na fila
para entrar em Lisboa: nós somos as formigas e está aqui uma bela cigarra que
do inverno do nosso descontentamento faz o verão do seu canto sem fim. E por
muito inspirado que seja o canto das cigarras, as formigas nunca deixarão de
ser formigas.
Das
bancadas da esquerda emergem as vozes dos “Capuchinhos vermelhos” que assobiam
e gritam pela floresta (neste caso, aplica-se mais a expressão selva) mas que
pelo discurso tantas vezes inconsequente manifestam estar completamente
baralhados já não sabendo distinguir se na “cama” está deitado o lobo ou a
avozinha.
Pela
doce circunstância do poder, das bancadas dos partidos que sustentam este
governo em fase terminal estacionado nos “Cuidados Intensivos”, ouço as vozes
de meninos e meninas instalados na “Casinha de Chocolate”. É tudo tão doce e o
país tem um tão raro aroma de caramelo…
E
com toda esta gente, lá estamos nós à janela, oferecidos a qualquer João Ratão,
Carochinhas apenas na posse de um mísero tostão.
Volto
a olhar para o lado…
Cada
um dos meus parceiros de fila está com um ar pior do que o outro.
Acho
que para além de formigas, estamos todos com ar de Marco, que andando de terra
em terra não encontra a “mãe”, ou talvez de Heidi mas depois do avô ter sido
internado num lar após a fatalidade do Alzheimer.
Não
aguento mais. Por um qualquer mecanismo de osmose ou de equilíbrio entre vasos
comunicantes, o meu estado de ânimo já está igual ao da nação.
Quero
chegar à Praça de Espanha e a fila na Pimenteira continua parada.
Esqueço
o rádio e puxo de um CD.
Kátia
Guerreiro. Fado. Asas:
“Aceita
o meu desafio,
Embarca neste navio,
Rumo ao sol e ao futuro.
Corta comigo as amarras
Que nos prendem como garras
A um passado tão duro.”
Embarca neste navio,
Rumo ao sol e ao futuro.
Corta comigo as amarras
Que nos prendem como garras
A um passado tão duro.”
Bolas… e o futuro que nunca mais
chega!
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