Essa misteriosa e versátil meia-idade
Por
muito optimistas que sejamos, e eu sou; e por muita que seja a esperança com
raiz na justificação técnica que a médica nos transmitiu de forma tão
simpática; será sempre estranha a sensação de percorrer o caminho de volta ao
carro depois de deixarmos o nosso pai internado no hospital, trazendo connosco
os seus haveres num saco de plástico que transportamos debaixo do braço.
Já
antes, quando o ajudava a despir a camisa para vestir o pijama, senti pesada a
batuta neste inevitável ciclo que nos faz ser fortes perante a fragilidade de
quem foi sempre a rocha e a firmeza onde apoiámos a nossa fé.
Vale
ter um irmão fantástico que compartilha igualmente esta “direcção da orquestra”,
ter um amor que manda um beijo de ânimo, e ter os amigos que se juntam sempre
para as palavras e os afectos nos ajudarem a esmagar a solidão que estes
momentos sempre transportam consigo.
E
entre Évora e Vila Viçosa, sozinho no regresso, faço das árvores confidentes e
companheiras.
Há
anos que as conheço das curvas deste caminho onde às vezes passo triste.
O
Manuel chegou depois para me visitar e conversarmos um pouco no café em frente
a casa. Acabamos a rir quando me descreve a cara de espanto dos filhos de 11 e
14 anos quando descobriram esta semana o que era escutar música de um
gira-discos, e quando perceberam que o vinil emitia a música que nós
dançávamos.
Até
pediram ao pai para dançar ao som dos Singles e LPs para poderem descobrir
alguma particularidade jurássica.
E
ali a conversar com o meu amigo de sempre, eu o novo e forte do Hospital de
Évora, talvez agora a coçar a barba branca entre os goles da Água das Pedras,
até me senti velho; mas só até ao momento em que automaticamente fiz a média e
percebi que isto é o que chamam a meia-idade; qualquer coisa como ser
simultaneamente filhos e pais, no privilégio de poder ser um pouco de tudo.
Se
todas as idades são boas, a versatilidade desta destrói claramente a monotonia
e auto-sustenta-nos em grande parte naquilo que ao ânimo diz respeito.
Talvez
esta percepção derive do facto de nunca nos demitirmos de viver com intensidade
cada momento; os muito bons e os claramente menos bons e agradáveis, numa
relação equilibrada de custo-benefício.
A
força anda sempre algures à nossa volta enquanto a vida gira, umas vezes a 33
outras a 45 rotações; e a riqueza de um Homem da minha meia-idade será sempre o
facto de vir da sua história em direcção ao seu futuro, percorrendo um caminho
tecido pela sua coerência, vontade e pela sua fé; e um caminho perfumado de
afectos.
Sem
demissões, que os dias nascem para que os façamos e enchamos do nosso querer, e
nunca para que assistamos à sua passagem.
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