“Somewhere over the rainbow…”
Com
a previsibilidade de um “Estado” que tinha “Novo” como sobrenome, mas que
insistia em nunca se renovar, nós entrávamos para a escola sempre na mesma
data, 7 de Outubro; e de tal forma se entranhou em mim este dia, que nunca me
esqueço de tal facto.
E
assim como quem vai ali viver à pressa, recordo-me de repente que faz hoje
precisamente 42 anos; já quase terminava o ano da graça de 1972, quando eu
entrei para a Primeira Classe na Escola Masculina de Vila Viçosa.
Isso
mesmo, não havia mistura de géneros.
Os
bibes eram iguais para todos, e se eram brancos os das meninas que “moravam” na
outra escola, os nossos eram azuis e brancos com uns quadradinhos ínfimos.
Pelas gavetas da casa dos meus pais ainda consigo encontrar o meu, costurado
pela minha mãe a partir de uma sarja própria comprada a metro na loja do Senhor
Domingos. Abotoa do lado esquerdo com uma fileira de meia dúzia de botões.
Acompanhado
pela minha mãe e com uma mala às costas carregada de material novinho em folha
comprado na livraria da D. Joana, entre o qual o eterno Livro de Leitura de
capa cor-de-laranja que algures dizia que “o gato comeu o carapau, o gato é
guloso”, acho que me senti a pessoa mais importante do mundo.
E
ali com um companheiro de carteira na fila mais próxima da janela e depois do
professor nos ter alinhado por alturas, consegui ver-me muito crescido com o
Caderno Escolar e caneta Bic transparente na mão; que é uma coisa muito difícil
de explicar quando hoje pego no bibe e no capote que sobrou desse tempo.
Mais
importante me senti ainda nesse primeiro dia de escola quando fui a casa
almoçar e pelo caminho já sabia que a letra i resultava da subida de um foguete
até ao céu, artefacto pirotécnico que deixava por lá uma pequena nuvem de fumo,
regressando depois tranquilamente à terra para ser a primeira letra da palavra “Igreja”.
Já
não consigo lembrar-me qual a brincadeira no recreio da tarde depois de ter
comido o papo-seco com marmelada que a minha mãe me preparou e que eu levei
envolto numa saqueta bordada a ponto cruz pela Tia Carlota. Mas algo de
interessante terá sido por certo.
E
assim, nos anos seguintes, o dia 7 de Outubro foi sendo o do regresso à escola
no culminar de umas férias longas de quatro meses que tinham todos os
benefícios, e mais aquele de querermos muito voltar a ver os nossos colegas e o
professor.
Só
a chegada da liberdade em 1974 quebrou esta previsibilidade de calendário, para
além de ter trazido algumas raparigas até à nossa escola e ter levado uns
quantos de nós até à escola delas, sem que as cores dos bibes tivessem sofrido
qualquer alteração.
Definitivamente
e por entre uma manhã de chuva que bate na vidraça e nos acorda cedo, nada
melhor do que pegar no i-Pad e começar a desenhar com palavras os pensamentos
que nos assaltam.
Vemo-nos
a sorrir por esses dias e acabamos também a fazê-lo antes de aparar a barba
branca e sentir o duche tépido a cair-nos em cima enquanto cantamos:
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“Somewhere over the rainbow…”
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