A cruzada dos mestres da hipocrisia
Aproveitando
o momento difícil que o país atravessa em termos económicos, algumas
personalidades, entre as quais o Prof. César das Neves e o Dr. Bagão Félix,
tomaram a iniciativa de uma petição que visa a revisão de leis como o casamento
entre pessoas do mesmo sexo, a interrupção voluntária da gravidez e o divórcio.
Afirmam
os mentores desta iniciativa que a grave situação em que o país se encontra tem
raízes na corrosão que estas leis provocaram no tecido social, nomeadamente na
sua célula fundamental, a família.
Confesso-vos
que reconheço uma pertinência nestas justificações semelhante à que admito
existir entre os terramotos no Japão e o elevado número de pessoas que nesse
pais decidiu começar a dançar flamenco. Zero.
Reconheço-lhes
no entanto um elevado sentido de oportunidade, para que agora que a dança está
desacertada, virem desta forma ridícula atribuir as culpas ao facto de o soalho
estar ligeiramente inclinado, ilibando-se a si e aos seus amigos políticos e
banqueiros que em sucessivas passagens pelo poder nos deixaram nesta situação,
aproveitando de caminho para defenderem as suas causas de natureza radical que
os transformou há muito numa espécie de "talibans" da moral e "Bin
Laden's" da moral de sacristia, assumidos saudosistas das cruzadas
medievais e do Santo Ofício.
A
não ser que tenham os resultados de uma qualquer sondagem feita junto de
pessoas sem-abrigo ou desempregadas, e que expresse a convicção de que o seu
estado se deve a terem partilhado prédio com um casal de lésbicas, uma vizinha
que abortou ou um homem divorciado.
Abomino esta iniciativa, primeiro porque odeio
sentir a poeira que nos atiram para os olhos e segundo porque a modernização
das sociedades se faz no sentido da hipocrisia para a verdade e nunca em
sentido inverso.
A
família é de facto a célula da Sociedade mas a família será sempre um espaço de
pessoas que se amam e que pela força do amor se dispõem a caminhar juntas pela
vida.
Sendo
um espaço de amor, tem de ser sobretudo um espaço de verdade, mais do que um
contrato entre um homem e uma mulher com o objectivo único de preservar a
espécie.
Depois,
quer estes senhores aceitem ou não, há homens que amam homens e mulheres que
amam mulheres, aos quais não é justo negar o direito à celebração do amor de
viver juntos e partilhar as vidas num espaço que entre outras virtudes, poderá
ser ideal para o crescimento e desenvolvimento de muitas crianças. A castração
dos sentimentos é um preço demasiado elevado que ninguém merece ter de pagar à
moral e aos “bons costumes”, num exercício de bem parecer.
Qual
será então a sugestão que este grupo apresenta para os homossexuais? Aumentar
os hospitais psiquiátricos? Colocar-lhes um triângulo cor-de-rosa na lapela e
mandá-los apodrecer para as Berlengas? Ou aumentar exponencialmente a
hipocrisia de casamentos fictícios em que os cônjuges em segredo dão as suas
"escapadinhas" não deixando nunca de preservar a sua “boa” imagem
pública?
E
o aborto?
Eu
também sou contra o aborto, acto que foi proibido em Portugal durante muitos
anos mas que jamais deixou de ser praticado. Nos anos em que trabalhei numa
farmácia, assisti ao drama de mulheres que por não terem o dinheiro das meninas
ricas e de família que apanhavam os aviões para irem fazê-los no estrangeiro, se
tinham colocado nas mãos das parteiras de vão de escada.
E
quantas mulheres rejeitam procriar por não terem condições para criar os seus
filhos, exploradas até a exaustão em empresas onde estes senhores da petição
trabalham ou são consultores?
Esquecem-se
estes signatários que o país real não é o dos meninos da Universidade Católica,
a redoma de vidro onde estas excelências dão aulas, nem das famílias endinheiradas
em que a mãe pode ficar em casa a criar dezenas de filhos porque há espaço e
dinheiro na conta bancária para o fazer.
Provem-me
que se o aborto voltar a ser ilegal, ele deixa de ser praticado.
E
o divórcio?
São
eternas as opções que tomamos na vida?
E
se não forem? Anulamo-nos ou castramo-nos para suportar as aparências?
O
que será mais digno, o preservar de uma mentira ou o assumir da verdade?
Eu
tenho amigos divorciados e separados que falhram no seu casamento mas que são
pessoas indiscutivelmente melhores que eu e com um quadro de valores de
excelência de carácter. Qual o meu direito de os condenar ao inferno?
Estes
senhores evocam a fé, e o mais incrível é que eu também acredito no Deus do Dr.
Bagão Félix e do Prof. César das Neves, eu também professo a mesma fé Nesse
Deus que um dia se fez Homem para falar de verdade, de vida e de amor.
O
Jesus da minha fé jamais discriminou, pelo contrário, congregou.
O
Jesus da minha fé exortou ao desprendimento dos bens materiais, combateu os
poderosos e soube acolher a todos no seio da Sua família onde a senha não é a
conta bancária, o berço ou a posição social, mas a simplicidade e a riqueza dos
valores de carácter que existem no Homem.
O
Jesus que desmascarou a hipocrisia dos Doutores da Lei e dos defensores da
falsa moral.
Por
isso meus senhores, chega de hipocrisia.
Se
estes senhores sentem energia para mudar o mundo, assinem uma petição para
exigir o fim do patrocínio do Estado aos grandes grupos económicos, facto que
sim, verdadeiramente, mata a paz das famílias.
Façam
uma petição pela justiça e pela condenação de quem faz mau uso dos dinheiros
públicos, pão roubado à boca dos cidadãos.
Façam
uma petição sobre a necessidade de preservar a dignidade dos seniores atacados
e espoliados nas suas reformas de miséria.
Isso
sim é a raiz do nosso problema. Isso sim é combater o cancro sem ser apenas e
só com o placebo dos seus interesses.
Haja pudor e bom senso. Que morra de vez a hipocrisia.
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