Transumância
Quando
rumo ao sul deixamos a Estrela, cedo e aos primeiros passos do caminho,
percebemos a sarracena pertinência de chamar Refúgio, Guardunha, ou para nós, Gardunha, à montanha que se impõe ao nosso
olhar, gozo sublime e privilégio único do caminhante.
E
se por estes dias de inverno, altiva, a Torre exibe a neve, deixai vir a
primavera, e toda a encosta da Gardunha que a mira buscando o norte, sem rival,
de branco se vestirá na imponência da flor dos imensos cerejais que Maio, o
maduro Maio, pintará de um encarnado tom de fruto.
Busco
Alpedrinha mas a surpresa revelada por cada curva do caminho, revelação feita de
fontes, árvores e granito, justifica este impulso que me obriga a parar.
A
água escorre encosta abaixo, sangue da montanha por veias e artérias feitas de
pedra, terra, plantas, musgos, líquenes…, festa das infinitas cores do campo
para as quais a palavra é impotente na hora de buscar definição.
E
o som da água rima com o registo das lendas gravadas no granito e que nos
oferecem uma milenar cumplicidade com os Homens de todos os tempos, os Homens
desde sempre e justificadamente apaixonados pela Gardunha.
Ficamos
a saber que um dia, a violenta morte dos pintos à mão dos seus filhos ainda crianças,
provocou tal ira numa mãe que lhes lançou a maldição de todos virem a ser
clérigos, maldição tão bem concretizada que um deles, de Alpedrinha, acabou
cardeal, em Roma.
E
de Mouras encantadas, de Nossa Senhora da Lapa ou da Serra, ou das celtas
Dagda, Danu ou Epona, e de seres não identificados oriundos de outros mundos do
nosso universo, a fé e a crença dos Homens aliadas à eternidade deste pedaço de
paraíso, tudo permitirão transformar em lendas que justificam a história dos lugares
que, estando o caminhante atento, ainda conservam em si esse som da gaita e do
rufo certo dos tambores entregues à arte e à bravura dos eternos tocadores que
já perderam a idade.
E
na imponência granítica da encosta a sudeste, onde sopram ventos de Espanha, há
Castelo Novo numa templária e imponente pose a defender a mais mágica das
serras, heroína e mestra, peça única do património fantástico e mítico de
Portugal.
Há
carvalhos e giestas, alguns sobreiros, quando a Gardunha mira o sul, e de
granito de faz o Castelo Velho e o Galo, que no Cabeço, altivo e nobre, mira Castelo
Branco e as Terras do Tejo que a Gardunha abençoa com a gratidão da Ribeira, ou
Rio Ocreza.
Pouco
importa o estatuto quando a nobreza impera, e certa é esta herança recebida por
alturas do Fratel, heranças da Gardunha entregues ao Tejo no seu percurso até à
grandeza do Atlântico.
Na
Gardunha, os pastores e os rebanhos sobem e descem a Serra em busca da
fertilidade dos campos e ao ritmo das estações que o ano nos oferece. É a
transumância.
Não
sei se pastor serei, e tão pouco que rebanhos de sentimentos carrego Serra
acima, caminhante solitário, nesta magia que o olhar me atrai e direcção
escreve nos meus passos…
Transumância da alma.
Mas
há uma paz doce que me invade e um confortável sentimento de pertença que me
convida a entrar e a fazer de umas quaisquer paredes de granito, a minha casa, acendendo
a lareira nas frias noites de inverno, para partilhar memórias e reconstruir a
história.
Porque
nós somos, e seremos sempre, pertença dos lugares que nos fazem felizes.
Wow! Τhis blog loοks just like my οlԁ оne!
ResponderEliminarIt's on a completely different topic but it has pretty much the same layout and design. Great choice of colors!
My webpage http://perlg10.org/index.php?title=discussion_Utilisateur:shanigilso