Cinema: do paraíso ao inferno
Os
tempos mudaram, e hoje, quase todos temos em casa uma televisão que por obra
das operadoras e mérito das nossas mensalidades, em alguns casos nos oferece a
disponibilidade de centenas de canais.
Longe
estão portanto os tempos que me são narrados pelos meus pais, quando nos anos
quarenta do século passado, na minha terra existia uma “barraca de madeira”,
improvisada sala de cinema, onde eram projectados os maiores êxitos da sétima
arte.
Nessa
altura, o cinema chegou para ser a janela que permitia ver muito para lá do
sítio que a vista alcançava mesmo quando se subia ao monte mais alto, trouxe as
imagens do mar e das pessoas diferentes desses lugares que só por fé nas
palavras do mestre-escola, acreditávamos que existiam.
Por
culpa dos elevados índices de analfabetismo, não se conseguia manter a sala em
silêncio, pois os afortunados, os que sabiam ler, partilhavam a leitura das
legendas com todos aqueles que não o podiam fazer.
O
meu tio João, que era surdo, exigia dos vizinhos de cadeira um tal volume de
voz que muitas vezes era indutor de tumultos.
E
existia até há pouco uma senhora a quem o meu pai jura ter ouvido:
-
As mais belas mulheres de “Holivonde”.
Sendo
“Holivonde”, obviamente, uma interpretação alentejana e livre a partir da
palavra Holywood.
Nos
anos setenta e oitenta, durante toda a minha juventude passada em Vila Viçosa,
a barraca há muito tinha sido deitada abaixo e existia o Cine-Teatro que exibia
filmes nas noites de Quinta, Sábado e Domingo. Por vezes, e sempre que o
conteúdo dos filmes justificava, existiam sessões especiais à tarde destinadas
às crianças.
Estávamos
sempre atentos ao cartaz gigante que encostavam a uma árvore na placa central da
Praça, mesmo em frente à Farmácia Duarte. Eu, e dado que o meu pai era
arrumador e mais tarde projeccionista, tinha acesso em primeira mão, aos
títulos do cartaz.
Os
filmes que víamos não estariam alinhados em termos de tempo com os que passavam
nas grandes cidades, mas, mais mês, menos mês, sempre acabavam por chegar.
Actualmente
não há cinema em Vila Viçosa, há muito que também não há em Évora e ficámos a
saber que muitas salas fecharão em breve em cidades do interior e nas Ilhas,
deixando grande parte do interior sem acesso ao cinema.
A
justificação é a ausência de viabilidade financeira da companhia privada que
geria estas salas. Razão pertinente e válida. As empresas não existem para
perder dinheiro.
É
no entanto inadmissível que o Estado e as Autarquias, que se bem me lembro, não
deixam passar um dia 10 de Junho sem falar sobre a desertificação do interior e
dos meios eminentemente rurais, assistam passivamente a este fenómeno.
Bem
prega Frei Tomás…
Fazem-no
por desrespeito pelos cidadãos e porque não reconhecem à Cultura, e cinema é Cultura,
o estatuto de bem de primeira necessidade, numa perspectiva estúpida e
estupidificante da vida, de quem acha que desenvolvimento é sinónimo de redes
viárias e rotundas. Caso contrário, criariam condições, sós ou associadas aos
grupos privados, para garantir o acesso das pessoas a uma muito nobre expressão
de arte.
Senhor Secretário de Estado da Cultura e Senhores Presidentes de Câmara, é para isto que eu pago
impostos. E se for para isto, não me custará nunca pagar.
Com
esta postura tenhamos a certeza de que andamos efectivamente muitos anos para
trás.
Pior
que isso, vislumbramos um risco sério associado à privatização de tudo o que
nos é essencial.
E
se um dia os Chineses acharem que não é rentável levar a electricidade a alguns
pontos do país?
Volta candeeiro de petróleo, estás perdoado.
Comentários
Enviar um comentário