É carnaval
Não
seria necessário ter acordado hoje às seis horas e quatro minutos da manhã com
um grupo de animados e bem bebidos foliões a improvisar canções brasileiras com
sotaque alentejano, aqui por debaixo da minha janela no Terreiro do Paço, para saber
que hoje é Carnaval.
Já
ontem desci no elevador com um índio, tomei café na companhia de uma princesa
de cabelo armado pela arte de combinar laca e ganchos, vi as fotos de um cowboy
em grande estilo e cheguei a Vila Viçosa ao fim do dia e deparei-me com uma
invasão de filhós e azevias, mais do que de Natal, uma marca de Carnaval aqui
pelo Alentejo.
Confesso-vos
que sempre me dei bem com o Carnaval, pois amante como era (e nem sei porque
escrevo isto no passado!) da brincadeira e de “pregar” partidas, estes dias
eram uma bênção que legitimava todos os meus disparates, por mais absurdos que
pudessem ser.
Nunca
fui muito adepto da previsível farinha que a grande maioria dos amigos e
colegas usava e abusava à porta da escola, o que era um tormento para as
raparigas que inventavam saídas alternativas do edifício para fugirem às papas
que pela farinha e pela água se lhe colavam ao rosto, aos cabelos e ao fato. Um
jogo do gato e do rato, e elas sempre a serem descobertas.
Recordo-me
de um dia, uma mais esperta, resolveu levar a mãe, uma gorda com bem mais de
cem quilos, para a proteger. Pois… mãe e filha acabaram no chão envoltas em
farinha e regadas a água.
Eu
era adepto de partidas mais subtis e com algum requinte. Com o Manuel e o Paulo
Geadas como meus maiores cúmplices, o nosso ar de sonsos ajudava-nos sempre e
credibilizava as mensagens que íamos passando.
De
meninos tão bem comportados quem ousaria desconfiar…
Telefonemas
anónimos, bombas de mau cheiro, acontecimentos inventados, azevias com recheio de
algodão que convencíamos as mães a fritar com as restantes…
Apesar
de o Manuel ter um andar demasiado característico e da minha cabeça ter um
tamanho difícil de camuflar, com a ajuda de máscaras e sempre com fatos
inventados a partir do canto mais antigo dos guarda-fatos que por essa altura
os chineses ainda não tinham aberto lojas com adereços, conseguíamos sempre
algum disfarce que nos permitisse assustar os parceiros. E incógnitos, que dava
muito mais jeito, transformávamo-nos em verdadeiras Drag Queen’s mas numa versão muito rural.
Íamos
aos bailes e às matines dançantes das sociedades recreativas, daqueles que as
mães sentadas vigiavam as filhas durante a dança, supervisão que por estes dias
se tornava muito pouco eficaz tal o elevado número de pessoas mascaradas, o que
sempre possibilitava uns encostos e beijos mais ousados, raridade em tempos
aparentemente de maior recato.
Quando
se juntava mais gente, fazíamos assaltos às casas dos amigos que acabavam
sempre com a malta a partilhar as filhós, as azevias, os nógados e os borrachos
(nada de fazer maus juízos porque os borrachos são umas filhós muito especiais
feitas com grande quantidade de aguardente e que são óptimas polvilhadas com
muito açúcar e canela) que havia pelo domicílio.
Ficou
célebre um assalto a minha casa num Carnaval em que eu estava a preparar um
exame da Faculdade e, obsessivo com o estudo quiçá de alguma Farmacologia, me tinha
recusado a participar na festa. Entraram todos de cara coberta e um a um, fui
descobrindo todas as identidades, havendo uma, que eu juraria que era um, que
eu não conseguia identificar.
Por
me parecer um homem, achei que a forma mais fácil de o comprovar era agarrar-me
aos seus seios de grandes dimensões e comprovar que eram falsos.
Pois…
Não
eram falsos, eram verdadeiros.
E
por detrás da máscara estava uma reputada senhora da sociedade Calipolense, de
quem eu nem morto revelo o nome, e que por gostar da festa se tinha unido ao
grupo.
Nestas
coisas das brincadeiras, o mais atrevido, mais cedo ou mais tarde sempre acaba
por ser vítima. Dizem que é a justiça divina que nunca tarda.
O
certo é que nestas coisas da alegria e no pleno gozo da amizade, jamais há
vítimas.
Há
riso, gargalhadas soltas e festa, porque de tudo isso se alimenta a alma e assim
se dá mais sentido à vida.
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