A casa dos segredos
Há
alguns anos, algures pelo inicio dos anos noventa, deliciei-me com uma
encenação de “A gaivota”, de Tchekhov, no Teatro da Graça, ali para as lados da
Voz do Operário. A actriz Alexandra Lencastre encarnava então a Nina Mihailovna,
uma das personagens centrais do enredo que o autor definiu como uma comédia e
os críticos e o público rotularam de tragédia, o que não é de todo usual.
Recordo-me
da excelente performance da actriz.
Por
esses anos de noventa, Portugal rompia com o monopólio da RTP e aprovava dois
canais privados de televisão. Durante o processo de escolha destes dois canais,
para o qual se apresentaram três projectos, a Igreja Católica, à boleia do
sucesso da Rádio Renascença, reclamava que uma das licenças lhe fosse
atribuída, o que veio a concretizar-se, e a TVI, canal de inspiração cristã, emparelhou
com a SIC nestas novas estações com marca não estatal.
Ontem
ao serão, e durante um processo desesperado de zapping, daquele que até faz
deitar fumo ao comando, juntei estes dois pedaços de memória quando vi a
Alexandra Lencastre a apresentar na TVI um programa de “A Casa dos Segredos”.
Na
guerra pelo sucesso comercial que deriva dos maiores níveis de audiência, a TVI
há muito resolveu ir de encontro aos mais básicos instintos voyeuristas dos
cidadãos colocando-se na posição de montra de bordel, algo inédito num país
onde os ditos para além das vidraças também tinham janelas com tabuinhas.
Pelo
caminho, a inspiração cristã ficou definitivamente arrumada e quem antes apoiou
de forma enérgica a existência de um canal para a Igreja Católica deve
sentir-se agora como um espectador que tendo comprado bilhete para a Traviata
no São Carlos, chega lá e só pode assistir a um show da Cicciolina.
A
única relação que a TVI mantém com o divino é o “valha-me Deus” que sai da boca
dos espectadores quando confrontados com estas manifestas exibições de mau
gosto.
E
pela sua sobrevivência, os grandes actores surfam na onda e numa televisão
cristã… vendem a alma ao diabo.
Jamais
me assumirei como um apóstolo do apocalipse vendo nestes “perversos” percursos
uma aproximação ao fim do mundo, muito longe disso, mas não posso deixar de
registar como a frivolidade, a banalidade e o mau gosto vão dominando uma certa
estética patrocinada pelo bom senso.
Pela minha parte, vou dando uso ao leitor de DVD’s.
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