Um alegre serão no countryside
Há
um carvalho imponente e já sem idade no centro do relvado onde dois corvos se
entretêm indiferentes à minha passagem sinalizada pelo ruído dos passos sobre a
brita que serve de tapete ao caminho.
São
quase seis horas da tarde e à semelhança do que aconteceu durante todo o dia,
não há sol. A Inglaterra no seu melhor e este nevoeiro continuo que parece ter
sido encomendado para manter verde o relvado que é afinal uma enorme clareira
na frondosa mata composta por indefinidas árvores.
Segui
o conselho do empregado do hotel e faço a pé as cerca de duas milhas que me
separam do centro da cidade onde irei jantar, com a recomendação extra de tomar
uma cerveja no primeiro pub que
encontrar à direita ao entrar na rua principal.
A
distância faz-se curta pela beleza da paisagem e da gente no regresso a casa
num ambiente que me devolve para as aventuras da Zé, do David, do Júlio, da Ana
e do cão Tim, os famosos cinco da Enid Blyton, cujas aventuras consumi sofregamente
nas minhas tardes passadas na Livraria Escolar da D. Joana.
Mesmo
já com este lusco-fusco, a ver se eu não fazia por aqui um piquenique caso
tivesse trazido um cesto com limonada, sandes de carne assada e scones...
E
entrar no pub é mesmo uma excelente
opção que concretizo quando por ali passo, com o triplo objectivo de me
refrescar, de descansar as pernas e de passar o tempo até à hora do jantar.
Sou
desde logo cumprimentado de forma simpática por uma dezena de clientes que ”
iluminados” pelas canecas de cerveja aguardam o jogo do Chelsea que começará em
breve.
Sento-me
ao balcão e peço a minha cerveja ao empregado que é fã do Mourinho e é muito
simpático até ao momento em que afirma que eu não tenho cara de Português,
fazendo esta afirmação com ar de fazer-me um grande elogio… e favor.
Devolvo-lhe
um olhar furioso.
Por
favor, não quero ter cara de mais nada a não ser daquilo que sou com orgulho: Português.
Começa
o jogo mas aproxima-se a hora do meu jantar e pouco depois tenho de sair
caminhando pela cidade em que as ruas são definidas por pequenas casas brancas
ou cor de tijolo com apenas rés-do-chão e excepcionalmente um primeiro andar.
Já
é tarde quando regresso ao hotel aproveitando a boleia de um colega que tem de
abrandar algures a meio do percurso para que uma raposa possa seguir o seu
trajecto.
O
empregado do hotel está no seu posto e eu agradeço-lhe as sugestões.
Pergunta-me:
-
Viu a pequena vinha na encosta por detrás do hotel?
Confirmo
e ele surpreende-me de forma deliberada:
-
O dono tem uma pequeníssima produção de champanhe que foi considerado o melhor
do mundo.
Eu
questiono:
-
O melhor do mundo?
E
ele corrige:
-
Bem, o melhor do mundo... o melhor do Reino Unido.
Compreendo-o.
Afinal,
o mundo, o nosso mundo, tem as dimensões que lhe quisermos dar.
Despeço-me
e vou para o quarto que tem uma cama fantástica encostada a um dos cantos, só
oferecendo acesso pelos pés e por um dos lados.
Há
muitos anos que não dormia numa cama nesta posição. Se bem me lembro, desde os
tempos em que menino e moço ia dormir a casa da minha avó Natividade nas raras
noites em que os meus pais resolviam ir divertir-se no baile da Sociedade
Artística União Calipolense, e em que a minha avó, sendo inverno, me punha
tantos cobertores na cama que a minha cabeça ficava parecida com a de uma
tartaruga a espreitar para lá da sua carapaça.
Deito-me
e adormeço embalado por estes pensamentos e inevitavelmente também por aqueles
que habitam nos planos de futuro que são legitimados pelos sonhos.
Num
fim de tarde e inicio de noite algures nos arredores de Londres, um pouco
daquilo que somos todos nós.
Somos
a preciosidade única composta pela inigualável reunião de uma história, de um
presente e de todos os sonhos do futuro, com os espaços que foram ou tornámos
nossos, e também com todos aqueles com quem partilhámos os dias.
O
tempo, o espaço e toda a gente que nos fez assim, na certeza de que morreremos
no dia em que matarmos a criança que somos e fizermos abortar todos os sonhos,
principalmente os que brotam dos afectos maiores.
Dormi
tranquilo e juro-te... sonhei contigo.
Loved it !!
ResponderEliminarIt´s always nice to be able to read such an excelent text on a late evening before going to bed. One can dream about being there too. Um abraço Paulo Penha
Comigo em NY cada local que entrava diziam-me sempre que devia ser Italiano ou Espanhol... eu de acabelo aloirado na altura ( foi escurecendo com a idade, mas na altura era loiro.. já lá vão uns 18 anos), só pensava... Italiano eu? Espanhol? mas porquê? porque razão? até hoje não sei porque afirmavam tal coisa, mas caramba não gostava mesmo. Sempre tive orgulho de ser Português. P
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