A Casa Portuguesa
Uma
semana com o privilégio dos pais aqui em casa é uma semana de serões em família onde a
televisão é dispensada para que emerja a conversa inevitavelmente sermos conduzidos para as memórias do Portugal dos anos quarenta e cinquenta.
Por
estas décadas, a minha mãe aprendia a profissão de costureira em casa da Mestra
Hermenegilda, e com a outra meia dúzia de raparigas que a acompanhavam no
desenhar de um círculo feito de cadeiras baixas com assento de buínho, aprendia
a arte dos alinhavos e dos chuleios, parando de vez em quando para, todas
juntas e em quase segredo, lerem os sonetos da conterrânea Florbela Espanca,
que ousavam falar de prazer, de amor e que por isso tinham um enorme gosto a proibido
pecado.
O
meu pai aprendia a arte de barbeiro na companhia do padrinho e trabalhava aos
sábados até para lá da meia-noite, possibilitando que os clientes que saiam do
trabalho quando o sol se punha, pudessem ir fazer a barba antes de chegarem a
casa e tomarem o banho semanal que era invariavelmente tomado num alguidar no
centro do quarto pois banheira, para além de casa de banho e água corrente, era
algo que dificilmente existia nos seus domicílios.
Este
era o tempo em que o ditado “pão quente, nem a são nem a doente” prevenia que a
tentação do consumo excessivo do dito alimento logo à saída do forno impedisse
que ele durasse até à semana seguinte. O tempo em que as mães davam sempre dois
pedaços de pão, um maior e outro mais pequeno que pela imaginação fazia as
vezes de queijo ou de qualquer outro acompanhamento.
E
as canções da época?
Davam
uma virtual pancadinha nas costas apelando ao conformar-se com a pobreza que
rimava estranhamente com “Casa Portuguesa” e de cuja alegria se dizia ser esta “grande
riqueza de dar e ficar contente”.
Porque nessa época só havia pobres e ricos.
Mas
nos serões desta semana abrimos uma excepção e deixámos que a televisão se
sobrepusesse à nossa conversa e trouxesse até nós a mensagem do
Primeiro-Ministro de Portugal dando resposta a vinte concidadãos que foram
rigorosamente seleccionados para o entrevistar.
Ficámos
a saber que a classe média é que está a pagar a crise abandonando assim a sua “mediania”,
baixando de nível e juntando-se aos pobres.
Mas
cada um tem o que merece pois esta mesma classe média é que está a obrigar ao
encerramento dos restaurantes na medida que “decidiu” deixar de os frequentar
obrigando os proprietários a pensar que a sua desgraça se ficou a dever ao
aumento do IVA.
E
acautele-se a classe média pois com o aumento de impostos, a redução dos
salários e, qualquer dia o apoio aos pais e avós que deixarão de ter condições
económicas para sobreviver autonomamente, morrerá inevitavelmente cedendo o “palco”
aos pobres e… aos ricos que serão os de sempre.
A
morte da classe média através da asfixia de professores, profissionais liberais
e quadros do Estado, de uma forma absolutamente cega e ilibando as infinitas
nomeações de “boys” e “girls”, devolverá inevitavelmente Portugal aos tempos da
salazarenta pobreza em rima com a Casa Portuguesa.
E
quer o Senhor Primeiro-Ministro que o consideremos um herói no cumprimento da
sua missão.
Os
heróis não são os que aceitam submissos a inevitabilidade dos dias e a herança
de um fado, pelo contrário, são os que dão passos em frente rompendo com esses
mesmos destinos, mesmo os que envolvem maiores riscos.
Onde
estaria Portugal se os conjurados de 1640 tivessem optado por desenvolver uma
submissa e cómoda amizade com a Duquesa de Mântua e Filipe III?
Mesmo
sabendo que a vida decorre em ciclos, é estranho sentir que estas partilhas familiares
ao serão, de um passado que em tempos nos pareceu enterrado de vez, não estará
agora tão longe de nós como estão supusemos.
Faltam heróis e inspiração para rompermos o destino.
Mas desistir, nunca.
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