Os contrastes no velório da dignidade
No
dia em que o número de mortos resgatados do mar de Lampedusa, na sequência do
naufrágio da passada semana, ultrapassa já as duas centenas, uma amiga recebeu
o conselho de uma senhora africana no sentido de se deslocar a Paris, aos
Campos Elíseos e à loja da Louis Vuitton, para comprar adereços para a sua
cadela de pequeníssimo porte, uma vez que a referida loja tem uma secção
especializada em adornos para animais de estimação.
A
cliente Louis Vuitton aterrará por certo centenas de vezes nos aeroportos de
Paris em viagem iniciada no continente de que é natural, a mesma origem das pessoas
que se amontoaram numa embarcação insegura em busca da ilha mediterrânica do
arquipélago das Pelágias, Lampedusa, em termos geográficos, parte do território
africano, mas politicamente o ponto mais a sul da Europa. Uma ilha cujo nome
ironicamente nos transpõe para a ideia de lâmpada, de luz.
A
“madame” desembarcará vestindo padrões de leopardo ou tigre em roupas contendo
as etiquetas de grandes costureiros, enquanto os candidatos a imigrantes que
conseguiram chegar à ilha o fizeram sem roupa, depois de as terem oferecido
como combustível na emissão de um pedido de socorro perante o iminente
naufrágio.
O
mundo e os seus contrastes…
Mas
desengane-se quem julga que terá de abandonar as fronteiras do país para comprovar
tais situações.
A
Avenida da Liberdade é uma das artérias mais conceituadas do mundo que tem as
suas fachadas enfeitadas pelas marcas mais caras do universo, e diz-se que
outras tantas marcas aguardam em lista de espera para se instalarem nos seus edifícios.
É
agradável caminhar pela Avenida e ver as montras, faço-o muitas vezes e a
última foi ontem, mas é bom que o façamos com o cuidado de ir olhando para o
chão pois se não o fizermos termos fortíssimas probabilidades de tropeçar nas
improvisadas camas dos sem-abrigo.
Por
ali, a luz de cabeceira de muita gente, é a montra da Cartier, da Boss ou da
Prada.
O
mundo e os seus contrastes que inundam de vergonha a humanidade, aquelas
gritantes diferenças que acreditámos jamais sobreviveriam à passagem para o nosso
terceiro milénio.
Dirão
os resignados que sempre existiram pobres e ricos justificando assim a sua inacção.
Digamos
nós, os insubmissos e que nunca tememos a alcunha de loucos, que esta vergonha
não é obra do acaso, tem responsáveis e que eles devem ser punidos.
Quem
gere as nações com o objectivo único de se governar a si próprio e engrossar as
suas contas bancárias, e aqueles que pela sua incompetência na gestão dos bens
comuns obrigam as nações a pagar os juros de elevadíssimos empréstimos, bóias financeiras
de elevado custo disponibilizadas pelas instituições internacionais; são indiscutivelmente
réus que importa “sentar” na lista de culpados.
E
em Portugal o preço da incompetência está a ultrapassar os valores admissíveis
ferindo de morte a sobrevivência e a dignidade dos indivíduos através de um
ataque asqueroso sobre os rendimentos de pessoas vulneráveis e de um vil ataque
sobre classes profissionais injustamente classificadas como incompetentes e
dispendiosas.
A
incompetência de quem nos governou e governa, também leiloou a soberania a
preço de saldo e já não somos nós quem manda no nosso próprio destino.
São
os contrastes no velório da dignidade do Homem em capela enfeitada pelas coroas
de flores da mentira e da hipocrisia com o “alto” patrocínio dos próprios assassinos,
mestres de palavras de boas intenções.
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