Ser do campo
Em
conversa outro dia com um conhecido, e porque Vila Viçosa é um tema mais do que
recorrente nas minhas histórias, fui confrontado com uma afirmação que não
sendo inédita me deixa sempre com uma certa irritação cutânea:
-
Eu não sei onde é Vila Viçosa e nunca lá fui.
Vestindo-me
eu de toda a boa vontade para começar a passar-lhe algumas coordenadas, quase
nem pude abrir a boca porque fui desde logo atacado com nova bomba:
-
Sabes, nós os que nascemos em Lisboa não sentimos grande necessidade e estímulo
para conhecer outras coisas.
Uau!
Não
conhecesse eu Lisboetas inteligentes (felizmente, a grandíssima maioria) e
poderia assumir que este “terreirodopacismo” e esta adoração umbilical seriam
norma, o que de todo não é.
Mas
pelo menos encontrei aquele “gajo” que inspira os ódios contra a capital.
Pus
aquele sorriso amarelo que é ponto final, parágrafo, e calei-me, que isto de
conversar com gente sem cérebro é um verdadeiro desperdício, de tempo e de
palavras, não sem antes lhe responder:
-
Pois… mas eu sou do campo.
Olhou
para mim com um ar estranho como que colando-me o rótulo de tolo neste
assumir-me como “do campo”, algo que ele só conhece associado às melhores
galinhas que lhe vendem no Pingo Doce para fazer a canja.
Talvez
ele possa um dia ler este texto…
Quando
frequentei a escola primária em Vila Viçosa, algures entre 1972 e 76 e com
direito a uma revolução pelo meio, para além da sala de aula nas instalações da
escola do Carrascal, sempre que o tempo o permitia, dispúnhamos do depósito das
águas, a chamada Varandinha dos Namorados situada no alto de São Bento, para
onde muitas vezes o professor nos levava.
À
escala de criança e desde ali, o ponto mais elevado da minha terra e de onde é
possível avistar terra do nosso concelho mas também de Elvas, Borba, Alandroal
e até terras de Espanha, além Guadiana, aprendi a apreciar a extraordinária
dimensão do universo, alimentando em mim essa vontade que nos faz ganhar asas
para galgar horizontes porque como dizia o professor, para lá do que a nossa
vista alcança há sempre mais terra e mais gente com quem iremos aprender coisas
novas que nos farão crescer.
Primeira
vantagem do campo: mais céu e maiores horizontes, muito para lá da egocêntrica
fixação com o próprio umbigo entre os prédios das avenidas novas… ou velhas da
cidade.
E
por entre os aromas do campo que sublinham as estações que o calendário nos vai
trazendo, na companhia dos amigos que ficaram para sempre, aprendi… a voar, que
é isso que faz quem não se demite de sonhar.
Regresso
muitas vezes a este miradouro que tem agora uma “varandinha” gémea ao seu lado,
respiro os aromas do campo e certifico-me que à escala de hoje, tudo é muito
mais pequeno. Mas isso não beliscou jamais a minha disponibilidade para sonhar
e a vontade para ir mais além.
Pudesse
eu ter dúvidas (que em absoluto não tenho) de que pertenço a esta terra e sou
do campo, que estes momentos viriam em auxílio de me acrescentar a certeza.
E
ser do campo é isto e é todo o contrário do meu conhecido de Campo… de Ourique,
ser do campo é ser cúmplice da terra e sonhar com uma ambição à dimensão infinita
da escala do universo.
Para
terminar sempre digo que ser “do campo” é verdadeiramente um estado de
espírito, muito mais do que uma consequência do sítio onde se nasceu. Afinal,
como na grande maioria das coisas da vida, podendo sofrer as influências de
tudo e mais alguma coisa, a última palavra do que somos, é sempre nossa,
pertence-nos.
E
neste caso é apenas uma questão de querer ser “simples” para poder ser muito maior.
E tolos? Há em todo o lado.
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