A esperança dos dias de Mandela
Se
um dia a vida me fizer tio-avô e me oferecer a possibilidade de partilhar as
histórias da minha vida em algum serão mais frio passado à lareira, guardo já religiosamente
no cofre mais seguro da memória, algumas “relíquias” que valorizam a minha
história e muito me enchem de orgulho.
Assisti
ao 25 de Abril de 1974 e tive o privilégio de crescer e fazer a minha formação
num contexto de liberdade e com um regime democrático implantado em Portugal,
vi o Beato João Paulo II passar à minha porta em Vila Viçosa e juro que cruzei
o meu com o seu olhar na esquina dos cantoneiros na Avenida dos Duques de
Bragança, acompanhei pela televisão a queda do muro de Berlim com a consequente
destruição da cortina de ferro que dividia a Europa vergonhosamente em duas, vi
o top da dignidade em Madre Teresa de Calcutá quando chegou a Oslo para receber
o Prémio Nobel da Paz com os seus parcos haveres colocados numa caixa de
cartão, fiz uma viagem de Vila Viçosa para Proença-a-Nova na companhia de D. Basílio
do Nascimento, então padre, que partilhou comigo na primeira pessoa e com
emoção, as dores, as lutas e as ambições do povo de Timor Leste…
E
guardo também a memória de uma tarde quente de Julho quando pela televisão
assisti à libertação de Nelson Mandela e se deu inicio ao processo que à beira
do Século XXI pôs fim ao Apartheid na África do Sul, uma das maiores vergonhas
da humanidade, um dos maiores atentados à dignidade do Homem que encerra em si
mesmo e na sua essência, a extraordinária riqueza da diversidade cultural,
étnica ou outra.
Juro
que acreditei por Mandela e com Mandela que o mundo iria ser diferente, e agora
concluo, tão-só talvez pelo romantismo da minha alma de poeta, porque cedo a
esperança morreu e se converteu numa triste e breve ilusão.
Numa
reunião de trabalho em Berlim, ainda cheguei ao hall do hotel a tempo de ver
cair em directo a segunda torre do World Trade Center de Nova Iorque, e assisti
pela televisão aos gritos da gente desesperada a correr em Madrid na Estação de
Atocha após os atentados, afinal aqui tão próximos de nós.
A
morte do sonho.
O
mundo continua igual e não era este o mundo que Mandela e o seu exemplo e a sua
abnegação mereciam que existisse no dia da sua partida para a eternidade dos
maiores.
Um
mundo onde se paga para destruir alimentos enquanto há gente que morre à fome,
um mundo onde há exploração de Homens feita por outros Homens e uma mais ou
menos encapuçada escravatura, um mundo onde se mata por diferença de estatuto
social, credo ou etnia.
Um
mundo pobre pela desigualdade e pela ausência de indivíduos como Mandela que
sejam líderes inspiradores por tudo mas sobretudo pelo exemplo.
Matámos
a sua semente inspiradora de liberdade e justiça muito antes de que surgissem
os frutos.
E lá terei eu de contar a história aos meus sobrinhos-netos com esse tão
irreal começo de “Era uma vez”
Gostei de ler. Parabéns por mais esta. Um abraço. Ângelo
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