Esse inquestionável valor que têm até as mais simples palavras
Há
em Londres um nevoeiro mais cerrado do que o habitual e as regras de segurança
e a prudência exigem que permaneçamos por mais três horas na Sala de Embarque
do Aeroporto de Lisboa aguardando a devida autorização para voar.
Durante
a espera, por ali fala-se Português mas com sotaque do Brasil, apercebendo-me
que grande parte dos meus companheiros de viagem chegou das Terras de Vera Cruz
e começou em Lisboa um longo percurso de férias pela Europa.
Mas
ao meu lado está uma senhora Inglesa que por certo terá uma idade já algures na
década dos setenta anos, a Julie, com quem acabo por encetar diálogo a partir
da partilha de informações e da tradução daquilo que os funcionários da
companhia aérea nos vão passando.
Diz-me
que juntamente com o marido, tem uma casa na zona a que chama de “Silver Coast”,
ali para os lados da Foz do Arelho, e que se divide entre Portugal e o Reino
Unido. Aos poucos vai dando a sua interessante perspectiva de quem vê o país
por dentro mas não deixando de ser um cidadão estrangeiro.
A
Julie e o marido adoram Portugal e não só pelo clima, é sobretudo pelos
Portugueses, que segundo ela são em geral simpáticos, afáveis, honestos e muito
trabalhadores. Sentem-se bem por cá e confessa que a adaptação foi fácil
exactamente pela simpatia e abertura dos “vizinhos”, uma gente que sabe receber.
Foi
inevitável falarmos da crise financeira e confessei-lhe que passei de achar que
o eurocepticismo dos Ingleses era irritante, para o considerar agora uma
atitude muito sensata, tal o preço da factura que pagamos por esta “aventura”
do Euro.
E
achei interessante e lúcido o diagnóstico, quando ela me refere que Portugal
tinha tudo para dar certo e ser um país de sucesso, mas que não o consegue pela
orfandade política e pela ausência de verdadeiros líderes capazes de gerir os
recursos e motivar as pessoas.
Entre
os Brasileiros a discutirem trajectos no Metro de Londres e os poucos Portugueses entretidos com o programa da tarde da TVI, acabaram por passar três
horas sem que nos déssemos conta disso.
O
embarque está pronto a começar e uma funcionária aproxima-se da Julie e diz-lhe
que pode avançar para o avião pois o marido acabou de embarcar. Ela explica-me
então que durante aquele tempo em que estivemos à conversa, o marido esteve
algures no aeroporto dentro de uma ambulância aguardando ordens para entrar no
avião.
O
inverno e a geada pregaram-lhes uma partida, e regressam agora a Londres para
que o marido possa ter acesso às consultas de ortopedia e corrija uma fractura
da perna cujo tratamento envolve algum risco pelo enquadramento cardiovascular
algo complicado.
A
Julie avança para o avião não sem antes me estender a mão para uma despedida,
agradecendo-me a conversa que a distraiu e a fez sorrir num tempo complicado em
que esteve forçosamente afastada do marido.
Uma
conversa aparentemente banal e de circunstância.
Já
em Londres, a chegada tardia impõe-me um passeio pelas redondezas do hotel em
busca de algo quente que me mate a fome e me conforte no resfriado. Caminho por
entre a gente que pára e admira as luzes que o Natal pendurou do céu da cidade.
Está
um frio terrível mas já não há nevoeiro.
Penso
na Julie e na nossa conversa, e penso como são valiosas todas as palavras que
transmitimos aos outros num contexto de afecto, mesmo aquelas que têm a aparência
da banalidade.
Nunca
saberemos se um simples “olá” tem o valor do ouro, por ser a primeira palavra
que alguém ouviu nesse dia.
E
sigo então já na companhia de um chocolate quente, o que de mais quente
descobri para me aquecer na noite fria de Londres.
As luzes estão bonitas e eu sorrio.
Como pode ser interessante uma espera potencialmente aborrecida numa sala de um aeroporto...
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