Rio de Onor
Há
uma ponte feita de granito onde animadamente está à conversa um grupo de quatro
pessoas. Não sei se falam Português, Castelhano ou ambas as línguas
entrelaçadas numa língua única tornada a sua própria língua. Tão pouco sei se
habitam em Rihonor de Castilla ou Rio de Onor, terra Portuguesa do Distrito de
Bragança, a terra que busco na minha viagem e no cumprir de um sonho de muitos
anos.
As
duas localidades, indecifráveis pelo olhar, são afinal uma terra sem fronteiras
povoada por gente que vive em comunidade na partilha dos fornos, da terra e dos
rebanhos.
Um
raro e indiscutível “Património Afectivo da Humanidade” algures na estrada
estreita que entre pinheiros cruza as montanhas e percorre a distância entre dois
países e duas cidades, Puebla de Sanabria e Bragança.
Os
Homens, quando são assim grandes, vivem na incompatibilidade das fronteiras e
alinham os seus dias pela simplicidade e generosidade, suprema inteligência que
faz anular o individual para que brote a força e o poder do colectivo.
Chego,
e quero muito respirar Rio de Onor.
Percorro
as ruas delineadas pelas casas simples que em baixo alojam os animais e por
cima, os Homens que acodem ao balcão de madeira ao sentirem o passo dos
forasteiros.
E
sorriem sempre, não poupando nunca nas palavras para que verdadeiramente nos
sintamos acolhidos e em casa.
Junto
à igreja há quatro mulheres sentadas na soleira de uma porta. Sorrio-lhes, digo
boa tarde e recebo a resposta da que aparenta mais idade e se faz porta-voz do
grupo:
-
Boa tarde e que o Senhor o proteja.
A
suprema fé dos simples e a minha bênção por estar aqui.
O
relógio da torre tem a hora Espanhola mas alinha as badaladas pelo Portuguesíssimo
Avé de Fátima. Detalhes de uma terra em que nada divide e tudo serve para criar
comunidade.
São
sete horas, é Agosto, os emigrantes regressaram e na margem do rio, a mesa já
está posta para a gente que vai chegando e trazendo os pratos de comida e os
garrafões de vinho.
A
noite será de festa e a comida, percebo pelo cheiro, conseguiu roubar os aromas
a todas as ervas da Serra.
Desde
aqui e até ao café que vislumbrei à esquina, apenas vejo duas mulheres à conversa
enquanto lavam a roupa no lavadouro comunitário que tem as pedras colocadas
frente-a-frente numa arquitectónica imitação da vida de toda a gente…e um casal
que toma banho no rio.
Entro
no café e peço à senhora que me atende que me sirva a bebida mais típica de Rio
de Onor, aquela que deverá tomar uma pessoa que está aqui a concretizar um
desejo de há muito.
Serve-me
uma aguardente caseira que nos embala à conversa até que chegam os hóspedes que
vão pernoitar na pensão anexa ao café e ela se despede para lhes indicar o
quarto.
Regresso
ao carro e faço-me de volta à estrada a caminho de Bragança.
O
GPS contraria a placa que indica o caminho e por isso paro e peço ajuda a um
homem que passa por ali a empurrar um carro de mão carregado de lenha. Ele pára,
sorri e dá-me todas as indicações, sem pressas e naquele jeito de querer ficar
todo o tempo do mundo à conversa comigo.
Estamos
em frente à porta do cemitério mas o que me chama a atenção por rimar
verdadeiramente com o olhar vivo do meu interlocutor, é uma amoreira gigante de
onde literalmente “chovem” frutos maduros.
E
a árvore é a cúmplice perfeita deste homem que para mim não tem nome mas que
tem o olhar e as palavras de um amigo.
Um
homem de Rio de Onor, um sábio e um mestre, um herói da simplicidade e da
generosidade de que precisamos para nos tornarmos maiores.
Voltarei
para pernoitar e sentir o luar de Rio de Onor.
As coisas mais simples da vida são as mais extraordinárias
ResponderEliminarRUI PEREIRA
Quando queremos a simplicidade e a generosidade são o maior Património Afectivo da Humanidade, por vezes ( ou muitas vezes) andamos é todos esquecidos e distraidos e claro que acabamos por atropelar as nossas prórias vidas e as dos outros.
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