O “centro” e as suas poucas virtudes
Nos
poucos anos de liceu em que estudei Francês deparei-me com a dificuldade em
escrever as palavras com a acentuação correcta, aguda ou grave, facto
determinante para qualquer língua mas que para o Francês é definitivamente
crucial.
Assim
e sempre que surgia a dúvida, eu recorria a uma técnica que desenvolvi em
conjunto com os meus colegas e que consistia em colocar os sinais numa vertical
perfeita. Competia depois ao professor escolher qual a inclinação correcta.
De
forma mais ou menos consciente eu estava a encarnar e a dar uso à nossa peculiaridade
genética que determina que “no centro é que está a virtude”.
E
por isso todos nos esforçamos por estar no “centro”, esse ponto confortável com
vista para um e outro lado da questão e que nos deixa a um brevíssimo passo do “sítio
destinado ao estacionamento das modas”.
À
pergunta:
-
Como estás?
Respondemos
quase sempre:
-
Mais ou menos.
O
“centro” na resposta que não é carne nem peixe, aliás, não é nada porque o “mais”
anula o “menos” e ficamos a zero.
Mas
assumir o “mais” é arrogância, e nunca sabemos se no instante a seguir nos cai
um vaso de sardinheiras na cabeça e vamos desta para melhor. O “menos” também é
demasiado humilhante e nós nunca vamos reconhecer que estamos mal.
Na
condução seguimos o mesmo critério e todos viajamos pela faixa do meio. A da
direita é para os lentos e nós até temos um “carrinho” jeitoso. A da esquerda é
para os inconscientes.
Viajamos
então no meio e na companhia da prudência, insensíveis a todos os impropérios
verbais ou digitais das pessoas que nos ultrapassam pelas outras faixas.
Também
na política todos pretendem situar-se no “centro”, mas aqui com o objectivo de
ter maior campo de recrutamento de votantes. De facto, se olharmos bem, o PS só
está à esquerda quando descemos da Rua D. João V para o Largo do Rato, e o PSD
só está à direita quando subimos a Rua de S. Caetano à Lapa.
E
alguns não estão no “centro” mas até deveriam estar lá, neste caso no Centro de
Acolhimento para Dementes.
Este
luso cortejar do “centro” está no sangue e expressa-se nessa dificuldade em dizer
“sim” ou “não” em alturas em que fazemos patinagem verbal pelas zonas cinzentas
do “nim”, que é como quem diz, do “assim-assim”.
-
O namorado da Maria é giro?
-
Bem… É muito simpático… Ia muito bem vestido… e… Sabes? Fala bem… Acho que não
é mau rapaz… É de boas famílias… Acho que gostei dele.
Bolas!
Basta
dizer “sim” ou “não” e neste caso não é necessário utilizar tanta conversa
porque já todos percebemos que a criatura mete medo ao susto.
Mas
reparem que mesmo o “gostei dele” tem atrás um “acho” que já nos defende porque
o “acho” é bastante volátil e permite uma inversão a qualquer momento se formos
contra-atacados. É uma “faixa do meio” e basta dizer que deixámos de achar com
base em quaisquer hipotéticos dados.
E
mesmo quando alguém ousa romper este gosto pela “mediania” assumindo que “quem
não arrisca não petisca” há sempre três indivíduos que chegam para dizer que “quem
tudo quer tudo perde”, que “mais vale um pássaro na mão do que dois a voar” e
que “prudência e caldos de galinha nunca fizeram mal a ninguém”.
Verdadeiramente,
acho que a virtude está onde queiramos que ela esteja. Algumas vezes à
esquerda, outras à direita e ainda outras, obviamente ao centro.
Por
vezes no “sim”, outras no “não”, muito poucas vezes no “banho-maria” da
hesitação do “talvez”…
Tudo
depende do sítio onde estamos e do sítio para onde queremos ir neste prazer
supremo que é o usufruto da nossa vontade.
Muitas
vezes quando apostamos cegamente no “centro” seguindo a técnica das minhas
aulas de Francês, erramos.
Afinal,
um sinal vertical colocado numa palavra Francesa está sempre e objectivamente errado.
Neste
momento, o país e as nossas vidas precisam urgentemente dos gritos de “sim” e “não”,
conforme o caso e a pergunta.
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