Três sentidos e meio
Sair
ontem de Lisboa com um princípio de otite no ouvido direito e ser agitado sobre
a Sardenha como o gelo num shaker, resulta numa semi-surdez com uma ressonância
intracraniana de pôr louca qualquer criatura.
Nem
consigo saber se estou aos gritos, e com medo de estar, tenho tendência para
falar mais baixo e ninguém me ouvir, o que já me irrita entre tantos “desculpe”
e “sorry” que me atiram.
Para
além disso e nesta onda de “bem-estar”, resolvo ter graça e mandar uma mensagem
em Italiano, com o Google a dizer-me que “um beijo infinito” se escreve “un
bacio infinito”. A princípio soa bem mas depois de relido em Português é um
pouco estranho pois parece que estamos a acusar a outra pessoa de sofrer de
poliúria e não fazer outra coisa a não ser “xixi”.
Desinspiração.
Depois
de uma noite de trovoada o dia amanhece com sol, eu continuo a ouvir mal, mas
tudo parece ser diferente até ao momento em que no pequeno-almoço começo a ver
o buffet a escorregar, por pura ilusão pois os meus óculos resolveram fazer uma
espargata definitiva com cada lente progressiva a cair para seu lado e a visão
de perto e a de longe a misturarem-se de forma demoníaca.
Depois
do ouvido…
Acabo
por ir para a reunião sem óculos e com a esquizofrénica sensação de que ainda
ouço pior por não ter óculos.
Na
reunião e como a formadora tinha uma cópia impressa dos slides, a coisa até não
iria correr mal de todo, já que a partir do táxi não consegui ver nada ao longe;
e se eu por acaso vos disser que me cruzei aqui em Roma com a Sophia Loren,
relevem, poderia muito bem ser até o José Castelo Branco.
Resta-me
o tacto, o cheiro que me revela um taxista pouco asseado, e o gosto, aquele que
pela minha tendência para a gula deverá ser o derradeiro sentido a abandonar-me.
Estava
eu neste episódio tortuoso de “Mr. Magoo visita Roma” quando me chega uma
mensagem escrita a desejar-me “um dia cheio de sol e cheio com o meu amor”.
Eu
estava a dizer-vos que via ou ouvia mal?
Pois…
mas esqueçam.
Continuo
sem óculos e com o ouvido entupido, mas o que é que isso interessa?
Os
sentidos são pequeníssimos detalhes desprezíveis na sua limitação perante uma
alma inteira e feliz.
O
amor preenche-nos em todos os sentidos… e todos os sentidos, e assim não há dia
que possa correr mal.
Três
sentidos e meio?
O
que é isso quando comparado com um coração feliz.
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