As Montanhas Russas e as Alentejanas
O meu sobrinho João concluiu com êxito o quarto ano de
escolaridade, e com apenas nove anos experimentou a sua primeira viagem de
finalistas; um passeio de autocarro que o levou até Tavira e Sevilha juntamente
com os colegas de escola.
Munido de um pequeno bloco Moleskine fez das suas
folhas um "livro de bordo" que partilhou comigo num destes serões.
Entre outras coisas, fiquei a saber que um colega
queria instituir o Dia Internacional da Directa para que ninguém pudesse
dormir, que um outro se perdeu de amores pela paisagem e que uma colega ficou
com fama de medrosa por ter chorado numa Montanha Russa da Isla Mágica.
Trouxe trabalho de casa numa encomenda literária que
inclua uma aventura com os heróis João, Guilherme e Lourenço, e uma praia do
Algarve com vestígios de Vikings.
Fará por estes dias trinta e nove anos que eu concluí
o quarto ano, então quarta classe, e fui numa viagem de finalistas à Serra D'
Ossa, nessa estonteante distância de vinte quilómetros de Vila Viçosa.
Cada um tem direito à sua montanha e se a colega do
João teve a Russa, eu tive a Alentejana; com a vantagem de não ter medo e de
beneficiar do fresco infinito das fontes.
Saímos cedo pela manhã e fizemos uma paragem no
Redondo para visitarmos uma olaria e a fábrica dos Refrigerantes Botas; depois
fomos até à zona do convento e fizemos por lá um piquenique com o que levávamos
de casa.
Regressámos ao fim da tarde com o Dia Internacional da Directa a ser comemorado com uma camioneta directa a Vila Viçosa.
Terei feito uma redacção no dia a seguir onde por
certo falei da Zarita ter destruído o fundo de uma assadeira de barro que ainda
não tinha ido ao forno, que me deram uma garrafa de laranjada, que o Paulo
Ratado tinha sido operado ao apêndice e não podia correr, que a avó Chica me
tinha oferecido vinte escudos e eu tinha comprado uma chávena de barro que
ainda lá está por casa... e que na merenda levava folhados de carne preparados
pela minha mãe.
O Manuel não foi porque a professora dele não alinhou
na aventura, e ficou triste. Também não sei se a Zinha e a Tina se recordam
deste dia…
Perdi o rasto à redacção, por certo afogada entre as
folhas de algum Caderno Diário, mas guardei os detalhes na lembrança e
ressuscitei-os ao ler o caderno do João.
E para não perder tempo já comecei a pôr mãos à obra e
a escrever algo da história da aventura algarvia, apercebendo-me que não
conhecendo em detalhe os companheiros de aventura do meu sobrinho, me puxei a
mim e aos meus colegas para dentro dela.
A fantasia das crianças é eterna cruzando os tempos
todos, e nós tomamos o elixir da eternidade quando deixamos que ela sobreviva
em nós, não a deixando vergar ao peso dos anos que passam.
No serão da casa do onze nos Olivais fiquei com a
sensação de que só a saudade me denuncia nesse propósito de continuar a
sentir-me criança.
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