“Aguenta, aguenta!”
Caro
Dr. Fernando Ulrich, sou há muitos anos cliente do seu banco, e por isso um contribuinte
activo através de juros, taxas e afins, para o lucro de 250 milhões que a
instituição a que preside conseguiu em 2012.
Felicito-o
pelo facto de o senhor ser das muito poucas pessoas que neste país se pode
orgulhar de ter crescido em termos financeiros no ano que passou, ano marcado
por inúmeras falências de empresas de maior ou menor dimensão, e por um
consequente e desmesurado aumento do desemprego que atirou muitos milhares de
Portugueses para patamares bem abaixo dos limiares da pobreza.
Tem
portanto toda a legitimidade para estar feliz nas suas conferências de
imprensa.
Porém,
permita-me que lhe faça algumas sugestões para que as possa usar, se assim
entender, na pose e no discurso.
Aprenda
o que é o pudor e aplique-o activamente, evitando assim talvez, essa ridícula soberba
de quem fala da riqueza que alcançou e reconhece por legítima a austeridade
aplicada aos outros. O “Estado-Colchão” que lhe sustentou o bem-estar e que o
privilegia acima de tudo, tem por molas os cidadãos do seu país, esmagados
diariamente pelo seu peso e dos seus parceiros e concorrentes, por via de uma
carga fiscal de dimensões pornográficas.
Depois,
quando afirma que "se os gregos aguentam uma queda do PIB (Produto Interno
Bruto) de 25% os portugueses não aguentariam porquê? Somo todos iguais, ou
não?", ficava-lhe bem não ser mentiroso. Somos todos iguais? Eu sou igual
a si? Só se for aos olhos de Deus. E mesmo assim…
Para
além disso, escolha melhores exemplos para nos animar. As comparações com a Grécia
não estão muito na moda.
"Se
você andar aí na rua e infelizmente encontramos pessoas que são sem-abrigo,
isso não lhe pode acontecer a si ou a mim porquê? Isso também nos pode
acontecer".
A
nós? Senhor doutor, mais uma vez, seja verdadeiro. O senhor sabe que pelo rumo
que as coisas levam, é mais provável que me aconteça a mim do que a si. Certo?
E
não acha também que lhe ficava bem um pouco de “compromisso social”. Esse
assumir da mendicidade como uma natural consequência da vida, é para quê? Tem medo
que se lhe acabem os pobrezinhos? É para poder brilhar ao anunciar que oferece
5€ a uma instituição de solidariedade social por cada conta aberta no seu
banco?
E
a memória? Que jeito lhe daria nem que fosse só um pouco. Desses que não têm
casa, quantos as entregaram a si depois de terem sido iludidos pela facilidade
publicitada pelo seu banco no acesso ao crédito e depois de por falta de
emprego, terem deixado de lhe pagar os juros que alimentam os seus lucros?
"E
se aquelas pessoas que nós vemos ali na rua, naquela situação e sofrer tanto
aguentam porque é que nós não aguentamos? Parece-me uma coisa absolutamente
evidente".
Estou a ver.
O senhor, confortavelmente sentado à mesa e
acompanhado pelo Poder, por momentos desvia o olhar do seu bife do lombo, olha
pela montra do restaurante de luxo, através da qual vê um sem abrigo na rua,
que por acaso ainda respira e se tem em pé, e inspira-se para emitir esta pérola
que nos deixa a todos felicíssimos, e sobretudo que expressa o seu carácter de
verdadeiro imbecil e mal formado.
Ainda cabe muita gente nas arcadas do Terreiro do
Paço. Podemos ir todos para lá. Não acha?
E depois vira-se novamente para o bife do lombo. Muito
mais descansado, é claro, pois mesmo que muitos milhares vão para a rua, os “gajos
desenrascam-se”. O senhor até oferece 5€ por cada conta aberta…
Para terminar, sugiro-lhe que comece a ir mais vezes ao cinema, se ainda
for a tempo de apanhar alguma sala aberta e livre da falência, é que nestas
ocasiões citar apenas o Tomás Taveira e o seu “aguenta, aguenta” popularizado num
filme caseiro, não me parece coisa digna para um banqueiro, mesmo sabendo que a
situação, ainda que em sentido figurado, se aproxima muito da do dito filme,
sendo o senhor, é claro, o protagonista.
ResponderEliminarEstamos numa época em que o Fim do Mundo não assusta tanto quanto o Fim do Mês
Rui PEEIRA