Dois mil e “treuze”


Tal como a roupa que vestimos, a quantidade, a qualidade e as marcas dos adereços e adornos que usamos, o número de beijos com que nos osculamos, também a expressão oral da língua Portuguesa é utilizada como factor diferenciador dos extractos sociais.
E se os sotaques de cariz regional são uma inevitabilidade que advém da zona onde nascemos e vivemos, muito agradável e simpática em minha opinião; esta forma de articular palavras e frases é em muitas situações, um visto para a entrada em áreas exclusivas e de afirmação, nem que para tal, se mate a facadas, a língua de Camões e Pessoa.
Vem isto a propósito do tormento que será suportar este ano, que para muitas pessoas é o de dois mil e “treuze” (treze). Ainda Janeiro vai a meio e já deu para ver que isto será duro…
Embora sem poder afirmar o seu significado estatístico, a amostra que utilizei para análise parece evidenciar que esta é uma verdadeira praga que ataca sobretudo essa classe das super sofisticadas louras ao estilo mostruário de madeixas e nuances, as aspirantes a “tias”.
São elas que por obra das aplicações de botox ou pelos esgares que traficam inter-pares, não abrem suficientemente a boca e ao melhor estilo vítima de AVC, dizem coisas como: “as mnhas xilhas” (as minhas filhas), “os xins de semana” (os fins-de-semana), “as xérias” (as férias), “as pusseiras” (as pulseiras), “os buzões” (os blusões), “à’ jezes” (às vezes) e “taás joa?” (estás boa?).
Mas não se pense que só esta classe sofre do “Síndrome do Treuze”. Apesar da mais baixa prevalência, ele ataca por todo o espectro social até aos antípodas do grupo das tias, sendo um dos raros denominadores comuns inter-classes.
E no pólo oposto ao das tias vamos encontrar a trupe dos frequentadores de Centros Comerciais ao fim-de-semana com equipamento desportivo de cor garrida, sempre depois de uma passagem pela “Feira do Relógio” e de terem gasto parte do ordenado em peças de contrafacção.
E, a uns e a outros, basta ouvi-los e logo os alinhamos com o grupo a que pertencem:
- “A maã” versus “a velha” (a mãe);
- “Imenso dinhairo”, “bué de papel” (muito dinheiro);
- “Enxaquêca”, “dor de cornos” (dor de cabeça);
- “Desinteria”, “caganeira” (diarreia);
- “Etilizado”, “com uma cadela” (bêbedo);
- “Supé chiquee”, “bués faine” (muito bom);
- “Aguarde, po favore”, “aguenta uma beca” (espere um pouco);
- “Tiu”, “irmão do mê velho” (tio);
- “Algarismos”, “númaros” (números);
- “Genitália”, “boca do corpo” (vagina);
- “Genitais”, “tomates” (testículos);
- “Supé caturra”, “de mijar a rir” (muito engraçado);
- “Soufá”, “divã” (sofá);
- “Supé amoroso”, “bacano” (boa pessoa);
- “Sopeira”, “mulher-a-dias” (empregada de limpeza);
- “Mictório”, “mijatório” (urinol);
- “Preparar a refeição”, “fazer o comer” (cozinhar);
- “Piqueno”, “minorca” (pequeno).
Mostra-me como falas e dir-te-ei quem és, ou, de uma perspectiva mais positiva, a prova e a expressão da riqueza da nossa língua.
Tanta diferença e afinal de contas, e tantas vezes, une-nos o “treuze”.
Por isso o meu apelo e porque há ainda muito ano para viver: com botox, esgares de AVC ou palito ao canto da boca, mas por favor, nunca com “treuze”.

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