Deus, pedras, guerras e esperança
Jordânia.
O
sol queima-nos os passos e o olhar sempre que nos fazemos ao caminho ladeados por
uma terra árida e semeada apenas de infinitas pedras, uma terra onde até os
espantalhos são feitos de muitas pedras sobrepostas umas nas outras num
estranho equilibrio.
E
cada pedra que pisamos, tem um nome e guarda um detalhe na longa História do
Homem e da sua fé.
A
fé que hoje brota dos homens ajoelhados na berma da estrada orando ao seu Deus;
no adeus acenado das crianças que sorriem sempre quando passamos; e também nas
casas sempre incompletas, expondo nos telhados, os alicerces para novos pisos
que surgirão em épocas que se esperam de mais abundância.
Mas
a fé esmorece na subalternização e na escravidão das mulheres que são obrigadas
a esconder o seu rosto e a sua identidade, sendo sombras negras que deslizam
por entre o machismo doentio e brutal destes homens armados num absurdo “Deus Juiz”.
Um
Deus transformado convenientemente em móbil de uma guerra permanente designada “santa”,
que em tempos de cruzadas fez nascer castelos no deserto e no cimo das altas
montanhas, e que hoje nos faz cruzar um sem número de bases militares de
aspecto duro e sofisticado.
Israel
é logo ali e avistamo-lo no outro lado do Mar Morto, a Síria um pouco mais
acima e o Iraque ali mesmo ao lado…
Mas
o deserto também esconde o esplendor da paz de civilizações que foram o nosso
berço, e Petra, a cidade talhada pelo Homem no esplendor das montanhas
vermelhas, é sem dúvida uma das jóias maiores no tesouro que em si conserva a
humanidade.
Não
se deve morrer sem vir até aqui.
Em
Petra, pedra na fala dos Gregos, as montanhas falam, fazendo eco das mãos dos
Homens que a criaram.
E
por entre a guerra florescem assim argumentos para ter fé e acreditar no futuro;
nos eternos “recados” de Petra, mas também nas mãos do jovem beduíno que nos
oferece um açucarado chá de menta na sua tenda montada no deserto, ou das mãos
sujas do homem que nos oferece uma amora na sua banca de fruta no mercado de
Amman, e que nós saboreamos de imediato porque sabe a manjar do paraíso.
À
sombra do castelo que Saladino construiu para combater os cruzados e lhes
roubar a água, matando-os à sede; um velho beduíno que se perdeu já na contagem
dos anos, e indiferente a tudo o que passa, descansa deitado sobre as ervas
daninhas enquanto fuma o seu cigarro.
No
deserto e de uma forma geral, os dromedários não morrem pacientemente com o decorrer
dos anos que os envelhecem; ao fim de pouco mais de quarenta anos de vida,
ficam loucos e os Homens abatem-nos então forçosamente pelo perigo que
representam.
Às
vezes os Homens são como os dromedários nesta confluência entre loucura e
morte, esquecendo-se que há um velho a quem faltará tempo para saborear o seu
cigarro por entre os aromas da paz.
Um
velho e muitos milhões de almas.
Ontem
saímos de Amman deixando a cidade como uma lua tal que nos obrigava a olhar
duas vezes para confirmarmos não ser o sol; este sol tão fantástico que hoje
nos beijou logo que avistámos Lisboa.
Haja esperança.
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