O verão
Com
um assinalável rigor astronómico, mas com alguma chuva, o verão chegou hoje
pelas 11.51 horas.
Há
muito o pressentia, pelo ar quente que nos empurra para a melancia fresca e
para os gelados; pela colocação do gaspacho e do “salmorejo” como opções a ter
em conta na elaboração do menu; pelos dias maiores a convidarem a uma cerveja por
entre a conversa ao fim da tarde numa esplanada algures na costa e a olhar o
Atlântico; e também pelo esforço titânico de uma colega bem próxima de mim, que
há duas semanas só almoça umas bolachas especiais que diz serem um compacto de
salmão e outros alimentos, ingerindo simultaneamente litros de uma substância a
que chama drenante, determinada que está a objectivamente urinar a parte do
corpo que julga estar a mais e que a impede de vestir o fato de banho que
seleccionou num catálogo a partir da fotografia de uma manequim que tem algo
menos de metade do seu volume corporal.
Hoje
é o maior dia do ano, pelo tempo disponível de sol, e não pelo concerto do Tony
Carreira nos Restauradores ao fim da tarde na “Horta do Continente”, momento pimba-afectivo-musical
que ontem era objecto de uma animada conversa de vizinhas aqui pela pastelaria
perto de casa, acertando a logística para que chegassem o mais perto do palco e
do cantor romântico; situações apoiadas pelos seus maridos, por certo, por via
da perspectiva de finalmente poderem assistir a um jogo do Mundial de Futebol
sem estes verdadeiros apitos humanos a martelarem-lhes os ouvidos.
Ao
jeito de “Os Fúria do Açúcar”, eu também gosto do verão… mas sem ter motivos
para apreciar em particular este dia do solstício.
A
minha avó materna, a avó Francisca, foi para mim a mestra ideal no privilégio
de desfrutar todas as excelências do campo.
Era
a avó que eu acompanhava aos ribeiros de água fresca para lavar a roupa que
corava pelas estevas, roubando-lhes os aromas; era a avó que trazia para casa
os cheiros que dentro de água num alguidar no poial dos cântaros, perfumavam a
cozinha durante todo o ano; era a avó que tinha vasos infinitos de sardinheiras
e cravos nas janelas, e que sempre nos sorria por entre as suas flores, quando
acudia ao seu nome na janela do Rossio ou na janela da Rua do Poço.
E
tudo isso por entre esse infinito amor das avós que tantas vezes tinha
expressão em coisas tão simples quanto o nosso despertar pela manhã num dia de
feira, tendo por perto um saco de torrão, uma camisa nova pronta a estrear ou
então uma bola de serradura envolta numa prata colorida e suspensa de um elástico
que com a ajuda do impulso das nossas mãos, a fazia saltar.
Mas
num dia de solstício, a avó partiu ao fim da tarde, levada por certo pelo sol,
seu cúmplice, que a recrutava assim como um adicional e perfeito feixe de luz
por sobre os dias.
Faz
hoje precisamente 33 anos.
Eu
gosto do verão, e acho que gostarei sempre, apesar de sentir saudades do tempo
de antes desse dia do meu solstício triste.
O
verão é o sol…
Acreditar
que ainda se vai a tempo de ser modelo, que o Tony Carreira vai olhar para nós
enquanto “debita” uma letra romântica… ou beber uma cerveja ao fim da tarde,
conversar na praia, libertar todas as memórias…
Tudo
isso é a vida, no riso e na saudade, a ser preenchida de momentos únicos “debaixo”
do sol.
Afinal,
tudo isso cabe no verão.
Aproveitem-no
e encham-no de sorrisos, palavras, abraços, beijos e momentos felizes; por tudo
e porque assim se faz a melhor profilaxia para enfrentar os dias curtos e frios
do inverno.
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