O Chiado nunca falha…
Para
quem chega a Lisboa depois de uma semana na Jordânia e carrega em si esse tão legítimo
e luso sindroma de privação de uma Bica e um Pastel de Nata, nada melhor do que
esquecer o cansaço da viagem, e, depois de ter devolvido a roupa pejada de sal
do Mar Morto à neutralidade da água que passa pela Máquina de Lavar, ir até ao
Chiado, cumprindo esse “divino” prazer tão queirosiano e terapêutico no que à
cura das saudades diz respeito.
Assim
fiz ontem pela tarde, e com dúvidas sobre se o calor do deserto tinha ficado
apaixonado por mim e me tinha seguido até casa.
Entre
turistas alucinados com a temperatura e a oportunidade de muitas compras, e enquanto
eu imitava os passos do Carlos da Maia e do João da Ega, o Chiado permitiu
cumprir mais uma vez esse prazer de nunca deixar de encontrar alguém conhecido
e dar dois dedos de conversa.
Conhecemo-nos
há mais de quarenta anos, fomos colegas de escola até ao 12º ano e eu não a via
há cerca de duas décadas.
Eu
a descer e ela a subir, cruzámo-nos algures entre o Loreto e a Brasileira, e eu
reconhecia-a de imediato, num misto dos contornos do seu rosto e também do
andar que ainda mantém igual ao de antes.
Cumprimentei-a
usando o seu nome.
Ela
olhou-me, teve não mais de dez segundos de hesitação em que terá por certo pensado:
“Mas
quem será este barbudo que até conhece a minha graça?” …
E
cumprimentámo-nos de seguida com alegria pelo nosso reencontro ao fim de tantos
anos, não tendo sido difícil pegar na conversa pois fomos sabendo notícias um
do outro pelos muitos amigos comuns.
Estivemos
à conversa uns bons cinco minutos, e depois lá seguimos os nossos caminhos,
tendo eu finalmente saciado na Brasileira, a minha enorme vontade de uma Bica.
Ali,
olhando os turistas no seu delírio em manter para a posteridade uma infinita
variedade de poses com o Pessoa sentado e “moldado” no bronze pelas mãos de
Mestre Lagoa Henriques, temperei de memórias, muito mais do que de açúcar, o
prazer do meu café.
São
as pessoas, muito mais do que os lugares e qualquer outro detalhe, que fazem a nossa
História, e por mais décadas que passem, quem se agarrou a nós pela
cumplicidade de tantos e infinitos afectos, jamais partirá.
Sabe
bem “envelhecer” descobrindo que somamos riqueza nas pessoas que as décadas de
vida nos oferecem, uma riqueza infinita e perpétua como o incalculável e imenso
prazer da amizade.
O
Chiado nunca me falha e dá-me sempre muito mais do que apenas bom café.
E
dou por mim a sorrir a assobiar enquanto desço a Rua Garrett.
Comentários
Enviar um comentário