João Paulo
Era
uma vez…
Poderia
começar assim a história da nossa amizade a despontar no espaço forrado de
muitas histórias da velha Livraria Escolar da D. Joana Ruivo, onde nos
conhecemos.
Foi
há mais de quatro décadas e numa altura em que acreditávamos poder copiar a
heroicidade de “Os cinco”, e podermos descobrir tesouros algures nos
subterrâneos que imaginávamos por debaixo das calçadas da nossa Vila Viçosa.
Não
estávamos enganados quanto aos tesouros, e só a localização é diferente: eles
existem, estão à superfície e têm expressão e vivem abraçados a todas as
cumplicidades que nos fazem amigos.
Uma
eterna amizade como as manchas de cereja que deixámos no nosso hotel de
Edimburgo depois de os caroços nos terem caído da mão e de eu ter sugerido que
limpássemos as nódoas com espuma de barbear; uma invenção de “McGyver
Barreiros” que multiplicou por dez a área da mancha e que nos conduziu ao
reposicionar estratégico das almofadas, não fosse a Escocesa que nos servia
lentilhas ao pequeno-almoço, obrigar-nos a pagar-lhe um sofá novo e sem manchas.
Uma
amizade carregada de boas memórias que soltamos tantas e tantas vezes, um pouco
ao jeito da versão do “Terra a Terra Minha Gente” que organizaste para um dos
teus aniversários, aí em meados dos anos setenta, em que tal como os
concorrentes que no concurso da televisão davam a volta por um distrito e
depois respondiam a perguntas sobre as terras que tinham visitado; nós demos a
volta ao quarteirão entre a tua travessa e a Praça, e respondemos depois a
questões sobre o que tínhamos visto.
Lembras-te?
Eu fazia par com a Didi e fiquei em segundo lugar depois de responder à
pergunta:
-
Que letras estão escritas no marco da pedra à entrada da Rua de Santo António?
Estava
lá a sigla “PUP” (Partido de Unidade Popular).
Outros
tempos.
E
as nossas muitas memórias acabam sempre por soltar-se nas conversas que não têm
dia nem hora marcada, que até podem ter meses de intervalo, mas que às vezes
duram horas; as conversas em que falamos de nós, dos projectos, da vida, das
dores, das doenças reais e imaginárias, dos médicos, das cirurgias, dos nossos
pais, das viagens, dos Óscares, dos Festivais da Canção, do Atletismo e das
medalhas nos Jogos Olímpicos, da política, das novidades de Lisboa ou de Vila
Viçosa, da necrologia, das alegrias, das festas e dos amores… sempre, mas mesmo
sempre, por entre dezenas de boas gargalhadas.
Uma
amizade em que podemos ser nós mesmos e que beneficia da não existência da
reserva de quaisquer territórios tabu, tal qual as muitas cidades da Europa que
visitámos juntos e em que nem um metro quadrado ficava por “bater”. Os pés
sofriam e às vezes ficavam com bolhas, mas a alma e os olhos ficavam regalados.
Uma
amizade para mim essencial e que tantas vezes foi GPS na hora das minhas
grandes escolhas ou dos grandes momentos: quando entrei para a Faculdade
explicaste-me tudo tão em detalhe que eu fiquei a conhecer a rede de autocarros
da Carris e ao chegar à Reitoria até sabia qual a banca para adquirir o Selo
Fiscal para a matricula; as ajudas perante as hesitações na altura de mudar de
emprego ou de funções; os benefícios e os males de amor…
Uma
amizade feita de um caminhar conjunto e feliz, um pouco como as nossas viagens
para Vila Viçosa num tempo em que não existiam auto-estradas e tu gravavas
cassetes para que pudéssemos ir escutando pelo caminho todas as canções da moda,
sempre que a fita não resolvia enrolar-se no meu auto-rádio portátil com estilo
de marmita.
Assim,
era uma vez…
Dois
amigos, dois românticos inveterados, dois sonhadores, dois teimosos com algumas
muitas manias…
Eu
e tu e uma amizade que é para mim um tesouro, que é parte integrante do todo
essencial da minha existência; uma amizade sem a qual eu não seria eu e seria
objectivamente bastante mais pobre e pior do que aquilo que sou.
E a vida é tão mais fácil quando nos oferece amigos como tu.
JP, muitos parabéns.
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