A estrada e uma ponte que tem a minha idade

As estradas são como veias, ilustres patrocinadoras de um vai-vem que é raiz da vida e daquilo que a compõe.

O despertador tocou hoje muito cedo e a tempo de ver o sol nascer por detrás do Cristo Rei enquanto atravessava a ponte.

Uma bola de fogo entre o amarelo e o laranja, e lá em baixo, o Tejo; atrás de mim, Lisboa.

A mesma estrada...

Quando Julho se aproximava do fim, eu vinha com a Avó Dade e o Avô Chico passar uns dias de férias a casa da Tia Lucinda.

Vínhamos no autocarro da Setubalense, onde eu me sentava nuns bancos de cor verde depois de pagar meio bilhete, e recordo-me que parávamos sempre em Vila Nogueira de Azeitão numa garagem que ficava mesmo em frente do portão de uma quinta em que a vegetação frondosa galgava os muros.

E depois...

Almada, onde às vezes parávamos para ir visitar a Prima Naíca, que fumava muito e fazia bases para as panelas com as pratas dos cigarros da marca "Porto"... e sempre a ponte e o Cristo Rei.

A ponte também era novidade para os meus avós que nunca perdiam a oportunidade de recordar:

- A ponte é um mês mais nova do que tu. Foi inaugurada no dia em que foste baptizado: 6 de Agosto de 1966.

E enquanto a avó se benzia, eu punha-me em pé para ver aquela estrutura imensa pintada de vermelho e não conseguia deixar de pensar que voava sobre o rio.

E por entre o prazer de quem liga as margens, eu jurava à sorte que um dia iria conhecer todas as ruas da cidade imensa à minha frente.

Na mesma ponte do nascer do sol de hoje. 


Passaram bem mais de quarenta anos, vou ao volante do meu carro, busco a Alentejo e tomarei o pequeno-almoço com os meus pais e comendo o pão igual ao que antes trazíamos nas bolsas de pano... e ainda não consigo deixar de pensar que voo por sobre o Tejo.

As estradas, a ponte, o vai-vem que nos determina a vida, os percursos que alimentam a nossa história, e essa persistência e coerência de voar e unir as margens  enquanto o sol sobe no horizonte e me vai ditando palavras de amor.

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