Um estranho chá das cinco
Falta muito pouco para as cinco da tarde, eu já acabei
o trabalho e mantém-se aquela humidade terrível que se nos cola à pele. Estando
na terra da única plantação Europeia de chá e sendo eu conterrâneo de D.
Catarina de Bragança, nada mais natural do que sentar-me numa esplanada de
Ponta Delgada e pedir um chá verde da Gorreana, mas gelado.
O empregado responde com um não ao meu pedido, só tem Ice Tea engarrafado e com diferentes
sabores, e eu tenho de lhe explicar que com um chá e um copo cheio de gelo eu próprio
resolverei a situação.
Ele traz o que lhe peço e fica a olhar para mim tão incrédulo
que quase me faz sentir um excêntrico Harry
Potter em missão feiticeira, ou então quiçá apenas um farmacêutico a manipular
algo num patrocinado regresso aos primeiros anos da minha profissão. Mas não se
queda ali por muito pois breve corre para junto das colegas com o objectivo de
discutir as agruras do horário de trabalho, que pelo tom de voz com que o fazem
partilham com a esplanada e as adjacentes.
Como se o objectivo de quem se senta numa esplanada
num dia quente de verão fosse a discussão das condições laborais dos
funcionários num debate ao estilo “Arménio Carlos no Jornal da Noite da SIC
Notícias”…
Entretanto apercebo-me que atrás de mim, um ancião
grita ao telemóvel com tal intensidade que é impossível não me aperceber que
regressou ontem à ilha e está a convocar os amigos, pelos vistos da sua idade:
- Tu ainda conduzes?
Vejo algo de profético nisto: eu a chegar a Vila
Viçosa daqui a 40 anos e a telefonar ao Manuel depois de ter ido à Farmácia
Monte comprar o “Corega” para a placa e ter ido comprar sacos para a algália.
- Pega no carro e aparece lá em Santana.
E depois desliga e liga a outro...
Do outro lado há um casal que assina um contrato de
aluguer de uma viatura e a mulher, que tem as unhas pintadas de salmão
fluorescente, também grita numa conversa com a rapariga da agência que traz uma
T-shirt vermelha com um tamanho três números abaixo do indicado e que parece a “Dolly Parton Micaelense”:
- Eu quero ir ver tudo pois já conheço o mundo inteiro
e nunca vi aos Açores. Ai meu Deus o que eu gosto das Caraíbas e de um hotel em
que eu acordo, digo "bom dia mori" e depois mergulho pela janela.
Porque sabe, eu cá vivo na linha mas
nunca paro em casa. Sempre a viajar como o meu marido.
Pelo tom de voz estridente da senhora que denuncia a
sua afinidade com a Cristina Ferreira, pelas jeans que o marido veste e que
parecem ter sido desenhadas pelo seu pior inimigo, pelo cordão que o mesmo
senhor traz ao pescoço, pela classe da viatura que alugaram e porque as
verdadeiras tias não dizem "não achas mori?"... eu concluo que esta
tia é falsa.
E estridente.
Mais à frente tenho um grupo de turistas que falam em
Inglês com sotaque Americano, e que, agarrados a um guia de viagem discutem quais
os itens que lhes faltam para cumprirem as “Masterpieces” de Portugal, andando
em busca do "Caldooo vêde", como se de Indiana Jones se tratassem.
Talvez fosse bom irem à procura de Cracas para Ponte
de Lima…
Resta-me um último refúgio: as notícias no i-Phone.
"A minha prisão visa apenas impedir que o PS
ganhe as próximas eleições", afirmou Sócrates.
Pois é...
Outro que não se cala e me grita aos ouvidos.
Nós, os Portugueses, até somos todos estúpidos e
fáceis de enganar com manobras deste género.
Bem sei que não achamos o caminho da fortuna de forma
tão hábil quanto ele, mas daí até concluir que somos burros...
Volto a pôr o i-Phone no bolso.
Paz é coisa que não tenho ali naquela Babel situada
cinematograficamente entre o “Voando sobre um ninho de cucos” e as “Mulheres à
beira de um ataque de nervos”. Com o empregado a ter muito de “Nelo e Idália
num concerto do Tony Carreira”.
Fico a um pequeno passo de gritar que "acabou o
Carnaval de Ovar", mas resolvo sair discretamente não sem antes acabar de
beber o chá; eu, o mudo naquele universo pimba.
Diz-se que a D. Catarina convocava o chá às 17 horas
para assinalar quais as damas faltosas, aquelas que assim ficavam na linha da
frente como supostas amantes do rei.
A avaliar pelo meu chá de hoje e seguindo o mesmo
raciocínio de faltas, concluo que o Camões está em paz; quem o poderia ter ido
chatear preferiu-me a mim.
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