A Rua do Ouro
O
comboio chegou há pouco a Santa Apolónia e nem foi preciso buscar a porta de
saída da estação, deixei-me caminhar pelo impulso da multidão que desceu comigo
para o cais, aqui e ali em slalom por
entre abraços ou o carregar difícil de uma mala mais pesada que sai pela janela.
Depois,
o átrio, as falas da gente, os pregões dos vendedores, o andar das pessoas que
se cruzam apressadas… e aquela inédita luz.
Lisboa
oferece luz e um aroma de entre rio e mar na brisa do seu primeiro beijo, e eu
deslumbrado deixo-me ir caminhando até ao Terreiro do Paço, mão esquerda dada
ao Tejo que me namora desde o primeiro olhar.
Sigo
pela irracionalidade da ausência de qualquer mapa, guiado apenas por esta paixão
que aos poucos me vai tomando os passos; o instinto doce e rebelde dos
apaixonados.
Sigo
entre a gente; uma mochila pequena, jeans
e a camisa num tom azul forte, os sapatos moldados por amor; sigo com uma
história colada às mãos e à alma, a terra fresca e molhada abraçada aos pés
descalços nas tardes de verão, o beijo do meu pai, os sonhos maiores do que todas
as calçadas da minha cidade…
Os
sonhos e as asas como estas das gaivotas que penteiam o Terreiro no meio dia de
Lisboa quando eu sigo pela luz da cidade e espreito ao longe a ponte para lá da
curva do abraço que Alcântara oferece ao Tejo.
Paro,
respiro fundo, e de mãos nos bolsos sigo depois até à Rua do Ouro subindo-a ao
jeito de quem busca o Rossio.
Passam
os autocarros, os eléctricos que enfeitam de um amarelo garrido a Rua da
Conceição e a Calçada de São Francisco, os táxis que apitam no primeiro segundo
de um semáforo verde, os vendedores de cautelas e de jornais, os triciclos
carregados de fruta madura pronta a ir para casa em cartuxos de papel pardo…
E
esta luz de Lisboa… sempre esta luz.
Ajeito
novamente as mãos nos bolsos e não consigo evitar sorrir colocando o meu olhar
em rima perfeita com o céu da Cidade Branca… hoje apagou-se o eco de todos os
meus velhos amores e cheguei à casa de onde jamais irei partir.
Eu
e Lisboa há milénios que esperávamos por este nosso abraço.
Nós
nascemos e somos de todos os momentos que nos alinham com o destino que
expressa a nossa liberdade.
E
continuo a subir a Rua do Ouro.
Lisboa
1982.
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