As histórias contadas por um velho tecto
Na
casa da tia Maria e do tio João à Rua de Santa Luzia, aquela que tinha no
quintal um limoeiro que dava frutos todo o ano e cujo tronco saía de um
canteiro que cheirava sempre a salsa, hortelã ou coentros, temperos e cheiros
dispensados do frigorífico pois estavam ali sempre à mão para serem colhidos,
existia um quarto que à minha escala de então era gigante, comportando três
camas de ferro forjado dispostas de forma paralela.
O
quarto tinha vista para o limoeiro e para toda a Vila para além dele e até à
muralha do Castelo e às Portas de Évora.
Eu
dormia na cama mais pequena que era simultaneamente a mais baixa, e visto desde
ali, o tecto que era inclinado e que estava pintado em tons de amarelo num
contraste assumido com as paredes brancas, ainda parecia mais alto do que
efectivamente era.
No
Alentejo chamamos tectos de madres, a estes que têm os rectângulos de laje
seguros por traves de madeiras devidamente e estrategicamente colocadas.
Os
anos e as camadas sucessivas de cal tornaram diferentes, cada uma das lajes,
“desenhando” em relevo uma série de figuras a que eu desde a minha cama e
quando a luz já entrava pelas frestas das velhas portadas de madeira da janela,
me entretinha a dar identidade, na construção de uma grandiosa banda desenhada
que era só minha.
Juro-vos
que numa destas lajes existia a cara de um menino que sorria.
Hoje,
a primeira manhã de Outono em que uns borrifos de uma breve e ténue chuva se
juntaram às folhas castanhas dos plátanos caindo sobre o relvado em frente ao
prédio, recordei-me destas minhas histórias quando sentando numa mesa da
pastelaria enquanto a sua mãe tomava um café, uma criança apontou para um
relógio grande pendurado na parede, um relógio original pois os ponteiros e as
horas são diferentes peças de um faqueiro, e nos disse a todos:
-
Esta é a cara do monstro que já espreita para fora da parede e vem aí para nos
atacar.
A
imaginação cruza gerações e a infância é definitivamente o momento top no
privilégio de saber sonhar.
Pisquei-lhe
o olho num estender de cumplicidades e já preparado para sair da pastelaria
respondi-lhe na linguagem louca e perfeita dos sonhos:
-
É mesmo. Eu vou já fugir.
E
senti saudades do tempo em que o menino me sorria desde a sua laje porque no
final da minha banda desenhada, a ovelha mágica tinha voltado ao rebanho para
ajudar a cumprir todas as vontades do avô Joaquim.
Que
vivam os sonhos e que a vida e as suas racionais exigências, jamais nos imponha
que eles se apaguem.
Afinal,
até um tecto velho ou um simples relógio de parede podem ser o mote para
momentos únicos.
Pelos vistos há aqui alguem que comenta, ao sabor dos ventos, e que gosta de sapatos. Eu tambem gosto de sapatos. Mas prefiro ter dois pares de sapatos confortaveis do que um par que embora a boa aparencia e lustro exterior, revelam um péssimo feitio e um péssimo caminhar a quem o usa.
ResponderEliminarAs minhas eram sempre umas enormes folhas de palmeiras que entravam pelo meu quarto, com o seu abanar lá fora mais pareciam umas verdadeiras bruxas montadas nas suas vassouras e que me vinham fazer mal. Hoje quando as vejo parecem-me mais umas sombras chinesas, que com o seu abanar do vento “pisco o olho” e deixo-me adormecer.
ResponderEliminarP