Presunção e água benta…
A manhã com cheiro a verão e despudorado ar de férias
exige um café que complete o despertar, e por isso sigo os passos de muitos
dias e entro na pastelaria que fica junto ao meu prédio.
A seguir a mim entra uma vizinha de sempre, uma mulher
pelos cinquenta e tantos e que desde que a conheço, e já lá vão dezoito anos,
terá engordado uma média de um quilo por ano.
O tom excessivamente moreno da pele, que evidencia uma
recente e intensa exposição ao sol, está associado a uma camada de cremes ao
estilo bolo de mil-folhas, e mesmo com a cobertura de tintas de tons garridos,
não lhe permitem camuflar estas agruras do tempo no seu invólucro dermo-cosmético.
A senhora do café cumprimenta-a:
- Olá bom dia. Está boa?
A vizinha não se fica por pouco:
- Estou boa e sou boa.
Aí valente.
E sentindo a necessidade de aplausos nesta corajosa
demonstração de auto-estima, olha para mim e arrisca atirar-se de um prédio de
40 andares sem cama elástica que lhe ampare a queda:
- Não acha vizinho?
Eu engasgo-me com o café enquanto penso que mentir
logo de manhã é algo a que não estou disposto.
Dou uma resposta ao estilo de advogado. Aquelas respostas
que nunca são sim nem não:
- Fica-nos sempre bem uma elevada auto-estima.
Mas a mulher não desarma:
- Mas não acha?
E eu aí tiro-lhe a última esperança de a cama elástica
estar cá em baixo a aparar-lhe a queda:
- Sabe, às vezes por tanto nos olharmos ao espelho e
convivermos connosco próprios até nos vamos convencendo que somos os mais
bonitos do mundo.
E remato:
- É uma questão
de adaptação.
Do olhar da vizinha saiu uma rajada de balas, a
senhora do café afogou a gargalhada no lava louça e eu saí depois de me
despedir com a certeza de ter mais um cromo colado na caderneta dos meus
inimigos.
Quase ao mesmo tempo em que decorria esta batalha
verbal de condóminos, a televisão noticiava o perdão dos pecados para as
cinquenta mil pessoas que participaram na peregrinação à Senhora da Penha em
Guimarães, por decreto do Papa.
Belo negócio.
A malta vai lá de passeio, pula, dança e até bebe uns
garrafões de vinho verde nos piqueniques e quando vem de lá, vem como novo.
Confesso que sendo católico abomino este tipo de
perdões massificados ao jeito de hipermercados de venda da salvação, outlets da misericórdia que ajudam
apenas a desresponsabilizar as criaturas que no seu dia-a-dia até podem ser umas
verdadeiras pestes.
As melhores pessoas não o são por irem à Senhora da
Penha, até podem lá ir, mas são boas essencialmente porque são instrumentos de
Cristo na vivência até dos mais pequenos actos.
Os santos habitam no mundo inteiro e não apenas e só
nas sacristias, locais que por vezes têm tudo menos santos.
O que resta da minha manhã?
Presunção e água benta... cada um continua a tomar a
que quer.
Confirma-se.
Mas sem querer ferir as liberdades individuais sempre recomendo que uma
e outra sejam consumidas com moderação e sobretudo bom senso.
Só tu ( ahahahah), sempre fiel a ti e sempre educado na resposta.
ResponderEliminarSendo um café de "bairro" acho que mentiria sem qualquer problema, a Senhora "milfolhas" ficava com o seu EGO em ALTA. Eu ao sair do café, teria um sorriso na cara pelo ridículo da situação. Conclusão.. dois sorrisos pela manhã.
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