Um fim de tarde em Milão
O
dia de muita azáfama acaba por me oferecer um fim de tarde tranquilo e com
tempo para um café com vista para a Duomo
e para o seu esplendor gótico, herança de um tempo em que as cidades se
afirmavam pelo poder das suas catedrais.
É
já muito ténue a luz do sol mas a noite ainda não tem suficiente força para que
brilhe intensa a lua que hoje se anuncia cheia. É por isso à luz dos candeeiros
já acesos que vejo desfilarem as filhas (e as netas) das “Sophia’s Loren” carregadas
de sacos de papel timbrados com aquelas marcas em relação às quais nós, pobres
mortais, só temos o poder de oferecer o olhar no admirar das montras.
Não
traíram a beleza das avós estrelas de Hollywood e continuam lindas as mulheres
italianas. Nada têm a ver com os esqueléticos cabides de um metro e noventa que
em semana da moda tomaram o pequeno-almoço comigo no hotel, se é que pequeno-almoço
se pode chamar a dois grãos de cereais despejados para um iogurte natural que é
tragado de forma lenta e asténica juntamente com dois copos de água.
A
sorte das Venezuelanas nos concursos de Miss Universo só se deve ao facto das
italianas ficarem por aqui a comer canneloni
e tiramisu.
E
para além disso, com homens como estes que também aqui passam, o que iriam
estas mulheres fazer para um palco a desfilar em fato de banho e a dissertar em
cinco palavras sobre a guerra e sobre a fome no mundo?
E
as barbas estão definitivamente na moda.
Não
há gaivotas por sobre a praça para me trazerem o céu de Lisboa e é o ruído de
um eléctrico que desfila sobre os carris e “galga” a calçada irregular que
oferece à passagem dos carros uma estranha melodia, que me traz definitivamente
o som da cidade do Tejo, a senhora dos mágicos fins de tarde.
E
até os eléctricos são amarelos e este até tem um número que me recorda a
liberdade: 1974.
Na
praça há vendedores de tudo e de bugigangas de plástico reluzente que voam por
sobre as nossas cabeças e brilham na noite, há pedintes mais ou menos
profissionais, bancas de cartomantes e descodificadores de sinas e destinos, Homens
em pose de estátua e na competição para a mais ousada, colorida e original que
possa fazer soar mais moedas a cair no fundo da sua lata, casais de namorados
que registam com um beijo o momento de estar aqui, e há os grupos de turistas que
chegam, fotografam e avançam para a próxima paragem porque de muita correria se
fazem os passeios do género “eu já lá estive”.
Avançarão
para as Galerias Vittorio Emanuelle II e daí muito possivelmente para o La
Scala, por certo o mais famoso teatro de ópera do mundo.
Não
sei se na visita curta à sua fachada, os turistas terão tempo para aprender que
o Teatro alla Scala deve o seu nome à igreja de Santa Maria alla Scala que
antes existia no mesmo local e que foi inaugurado em 3 de Agosto de 1778 com a
ópera L’Europa Riconosciuta, de Antonio Salieri.
Sabe-lo
poderá ser um bom presságio nestes dias em que a Europa anseia por voltar a ser
Riconosciuta.
A
noite já caiu agora definitivamente sobre a praça e sobre nós, e é então a vez da
lua cheia sorrir espreitando por cima do imenso casario da cidade velha que
está tingido a tons ocre e vermelho.
Aquecido
pelo café, fecho então os olhos por uns breves momentos e transponho-me para a
cidade no inicio do Século XX despedindo-se de Giuseppe Verdi no seu funeral
entoando o coro dos escravos da ópera Nabucco. Rezam as crónicas que Milão saiu
à rua para cantar ao seu compositor.
É a banda sonora de um fim de tarde perfeito com Verdi, Milão e… cada
eléctrico a trazer-me lembranças de Lisboa.
Estou satisfeito, com esta tua narrativa, já não necessito de ir a Milão... :)
ResponderEliminarPerfeita
Abraço