A Coreia do Norte e a sacristia
Quando
me sento perante o desafio de uma página em branco tento sempre ser fiel na
transposição daquilo que sinto para as palavras que escrevo; e o resultado, uns
parágrafos de mim, ficam soltos e à mercê das opiniões e do sentir de quem lê.
Faço
isto numa crónica, num poema e até no âmbito da ficção, num romance ou num
conto, espaço onde as personagens carregam sempre algo de nós, nem que seja às
vezes apenas um breve e discreto “julgamento” implícito.
Gosto
tanto da expressão de desacordo quanto da concordância total de alguém que me
leia, porque acredito que deste confronto de ideias se constrói a verdadeira
riqueza da humanidade.
E
a liberdade para podermos ser nós nestes diálogos é um bem de primeira
necessidade, como pão.
Foi
noticiado recentemente que a prelatura da Opus Dei mantém um Index de livros
proibidos nos quais se incluem 79 obras de autores Portugueses, com Eça e Saramago
à cabeça; sendo que para mim o primeiro é o maior escritor Português de todos
os tempos, e Saramago, juntamente com Cardoso Pires, os meus favoritos de entre
os contemporâneos.
Acho
esta situação vergonhosa no sentido em que sendo eu crente e Católico, vejo
criar na Igreja um enclave que junta o pior do mundo; um corredor ao estilo da
Coreia do Norte dominado pelos “Kim Jon-un’s de Sacristia”, espaço obscuro
dominado pelo radicalismo que cobre com “Burkas” muito opacas o intelecto dos
crentes seus “irmãos”.
Quem
proíbe desvaloriza sempre a inteligência dos demais, não lhes reconhecendo a
capacidade de fazerem o seu próprio julgamento sobre aquilo que se lhes depara,
quer seja em livro, numa peça de teatro, na pintura ou em qualquer outra
expressão artística.
E
o desvalorizar da inteligência dos “irmãos” é “cuspir” sobre o próprio Deus que
os criou à Sua imagem.
Por
outro lado, quem proíbe passa a si próprio um certificado de mediocridade, na
medida em que se assume com capacidade para ser um chefe que comanda um “rebanho”
de gente que pensa toda da mesma forma, mas proclama a sua incapacidade para
ser “líder” de um grupo de pessoas que pensam e discutem ideias com base
naquilo que verdadeiramente pensam e ambicionam.
E
não evoquem o Espírito Santo para reclamar maior clarividência e legitimar estas
atitudes imbecis.
A
História não se apaga, e proibir “O Memorial do Convento” privando as pessoas do
“facto” de Baltasar e Blimunda se terem conhecido no Rossio durante um Auto-de-Fé,
não limpa infelizmente a nódoa de que um dia, e em nome da mesma fé, as pessoas
foram queimadas vivas por ordem da Inquisição.
Em
nome do obscurantismo e da uniformidade do pensamento que vê os Homens de fé
como inactivos e acéfalos seres dentro de redomas de vidro, em vez de nos verem
como somos, gente do mundo que pensa e vive a fé e que a confessa muito mais
por obras e convicções do que pelas ladainhas aprendidas de cor no contexto da
redoma.
Ao
longo da minha existência aprendi tanto com gente crente como com ateus, porque
gente igual na riqueza de valores e no afecto que me dedicaram. Ter fugido
daqueles que à partida pensavam e agiam de forma diferente de mim, seria desde
logo amputar muito daquilo que hoje sou.
Quantas
vezes o contraditório foi raiz para as minhas maiores convicções.
Quem
nos ama e é grande ensina-nos sempre a pensar, quem é medíocre e não nos tem em
grande conta impõe-nos regras na hora de agir.
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