O amor é uma obsessão exclusiva dos poetas e dos loucos (Férias – Dia 12)
Adormeço
embalado pela persistência da água que corre na fonte do pátio da quinta, e
noite fora, quando acordo e me dou conta das badaladas suaves do relógio da
capela, o ruído da água a correr lá está, sereno, rompendo o silêncio das
noites no campo.
E
não há melhor despertar do que aquele que nasce de uma noite assim.
Mas
a manhã leva-nos à cidade, a Viseu, sem que saibamos que à Terça a manhã é de
feira; e em Agosto, há uma imensidão de carros e gente a entupir rotundas e
vielas, com as matrículas e a fala da gente, a indicar-nos que chegámos à
"festa" onde se matam as saudades acumuladas por uma dolorosa
eternidade vivida longe de casa.
E
chamo-lhe festa porque é isso que leio no olhar da gente.
Compras,
passeio, café, almoço... e a tarde traz-nos de volta à irresistível quinta para
um longo e demorado passeio entre frutos e flores.
E
entre palavras e memórias.
Numa
varanda junto à casa grande há uma fonte de granito que mantém de fonte apenas a
traça e a bica, mas que ao contrário daquela que me embalou noite fora, está
vazia de água.
Nada
corre.
Reparo
então que no tanque desta fonte alguém pôs terra transformando-o num canteiro;
e agora nascem flores.
Mas
eu que paro por ali e me encosto, faço-o ao jeito de quem "abraça"
uma fonte.
A
essência está lá e mantém-se viva por cima da ausência de água.
Eu
sei que não sou poeta e que nunca o serei, apesar desta persistência algo tonta
de oferecer palavras aos sentires; mas mesmo assim, onde mais me vejo próximo
dos verdadeiros poetas é nesta condição de conseguir ver as fontes como quem
persiste a ver amores por entre o vazio e o silêncio.
Talvez
porque o amor seja um exclusivo e privilégio sentir dos loucos e dos poetas,
não existindo em mais nada, nem em mais ninguém.
Talvez.
Mas
se assim for, que eu morra como vivo, na coerência irracional desta loucura.
E
na tarde da Ínsua, ali sentado junto ao canteiro que eu insisto em chamar
fonte, e ao jeito de quem namora:
Na eternidade de um imenso querer
As fontes são fiéis irmãs de amores
Até na sede, saudade por não te ver
Há raízes, terra… e nascem flores
Poeta?
Acho que apenas um louco que dorme embalado pelo benefício da água das
fontes do campo.
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